João Pessoa, 23 de fevereiro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Ser cientista é sinônimo de fascínio. Quem não quis um dia o status de cientista? Acho que todos que dependem ou vivem na ciência, em qualquer fase dela, e em qualquer área do conhecimento. Imagina-se cientista como uma pessoa reverenciada e respeitada por todos. Será?
No meio científico, temos mais pesquisadores. Aqueles que, forjados no método científico, aplica-o, diligentemente, em pesquisas, para responder a uma ou mais perguntas que se fazem. Replicam-nas, fazem novas perguntas e, novamente, procuram respondê-las.
Cientista, para mim, é alguém meio sem noção. Passar 10, 20 ou 30 anos, respondendo às mesmas questões; e, destas, formulando novas e promissoras teorias, não é para qualquer um. A aguçada intuição e sensibilidade centram-se e voltam-se para o mesmo objeto, com olhar, a um só tempo, crítico e cético.
Sob aplausos de todos? Pior que não. A maior parte do tempo, ele acredita sozinho. Ou vocês pensam que o que propôs Einstein teve apoio desde o início? O que Freud desenvolveu foi ridicularizado por muitos. E assim deve ter sido para Linus Pauling, Charles Darwin, e quem mais você quiser invocar, na lembrança de grandes nomes de cientistas guardados por você.
Desculpa a empolgação, que nem era disso que eu ia falar, mas da bioquímica húngara Katalin Karikó (foto). Desde 1985, ela migrou da Hungria para os EUA, na esperança de que, com condições tecnológicas, pudesse dar continuidade a seus estudos sobre o mRNA. Todos sabem que nossas células têm DNA (responsável pelas características genéticas) e o RNA que comanda a síntese de proteínas. Esse “m” é de mensageiro. Fora estudado nos anos 1960, mas ocorreu uma certa descrença, porque provocava reações inflamatórias que levavam animais, quando submetidos a testes, à morte.
Os pesquisadores pararam. A cientista, não! Karikó continuou se dedicando aos estudos do mRNA. Para isso, trocou uma das proteínas que o constituem, a uridina, por uma pseudouridina, para que começasse a ter êxito na sua miragem. Para chegar aí, no entanto, foi expulsa da Universidade da Filadélfia, ameaçada de ser deportada. Então, na Universidade da Pensilvânia, onde, tornou-se uma pesquisadora de estudo sem interesse; foi rebaixada, em 1995, de cargo, e passou a ganhar menos que um técnico de laboratório.
Pelo que se vê, o cientista não é somente um obcecado mental. É um anti-herói. Um bastardo, também pode ser. Hoje, vice-presidente da BioNTech Pharmaceuticals; aclamada e reconhecida, poderá ganhar o prêmio Nobel, por ter, seus estudos, contribuído para a criação de vacinas num espaço de tempo inimaginável.
A maioria das que estão em uso, utilizam a tecnologia do mRNA, graças aos 40 anos de vida dedicados à ciência, para responder a algumas de suas insistentes questões. Nenhuma das ameaças, riscos, perdas financeiras, a ela impostas, foi capaz de parar a curiosidade dos seus olhos verdes, sobre as moléculas de RNA mensageiros. Um único amor na vida, até que a vitória da humanidade viesse para consagrá-la.
Quantos sejam que nos salvemos, devemos a essa senhora, já idosa, com 66 anos e olhos de esmeralda. Obrigado, Dra. Katalin. Como humana, você sabe quão falhos e impiedosos somos nós. E nos perdoa pelas perseguições atrozes, em nome dos milhões de vidas salvas no planeta, que nem saberão da sua luminosa existência.
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OPINIÃO - 22/11/2024