João Pessoa, 24 de fevereiro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Querido Lúcio: não sei aonde foste nem sei onde estás. Quando quero te ver, leio e releio teus versos e te sinto bem perto de mim, vivo, vívido, inquieto e iluminado como sempre. Devo-te tantas coisas e vou enumerá-las, aqui, pois é preciso manter, acesa, a chama do diálogo na clareira da memória.
Em primeiro lugar, ainda cultivo a gratidão por ter te conhecido e contigo ter convivido, numa intimidade fraterna de quase quarenta anos, movidos pela paixão comum, a poesia, dia a dia alimentada com os fertilizantes imponderáveis das palavras, das ideias, das emoções e das imagens.
Que dia deixou de moldar, em horas inesperadas, no face a face do papo cotidiano ou nos telefonemas repetitivos, o colóquio em torno de uma metáfora, de um enjambement, de uma rima, de um verso, cabíveis ou não na lógica severa e sagrada do poema? Que noites, que madrugadas, sobretudo no aconchego boêmio do Bar de Baiano, não foram palco de celebração de um texto qualquer ou de mágicas e alquímicas oferendas a poetas maiores, como Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto (foto), aos quais amavas tanto?
Em segundo lugar, caro Lúcio, doido almirante que morreu no mar, grato pelos arrecifes e lajedos e pela caligrafia das léguas que me deste de graça, assim de bandeja, para imprimir certo brilho literário as coisas que escrevo. Muitos de meus poemas não existiriam sem o corte e o recorte de tua tesoura crítica, do olhar intuitivo e surpreendente na captação da melodia específica do instrumento lírico. Aliás, hoje eu percebo com mais clareza: antes de tudo, música é a tua poesia. Se ela possui plasticidade nesse ou naquele recurso verbal, densidade imagética vezes extraordinária, é sobretudo o ritmo, a cadência, o compasso, os arranjos sonoros e harmônicos que fazem vibrar as camadas orgânicas do teu verso.
O mar, ninguém daqui cantou o mar como tu. Tua poesia, todo um oceano de palavras navegáveis, cardume de búzios secretos e de perdidos astrolábios, batendo na pele dos rochedos solitários e abraçando os náufragos que se eternizam nas espumas dos navios. Há qualquer coisa de marinho germinando na esfera compacta dos teus poemas que, se estavam sepultos no túmulo branco do papel e nas covas magras do silêncio, o cancioneiro de Chico César, de Xisto Medeiros e de Adeildo Vieira os revestiram e os recriaram na pauta encantatória da musicalidade, atentos que foram aos mais íntimos e característicos apelos de tua inconfundível linguagem.
Estive contigo em todos os teus livros. Acompanhei a fatura de teus versos passo a passo, do manuscrito para a letra impressa, nos lançamentos e na repercussão da crítica. Tudo em tu era pura poesia. O hábito era gosto, o gosto era paixão, a paixão era permanente entrega ao apuro das palavras.
Não sei aonde foste nem sei onde estás, mas estás aqui, na prateleira dos paraibanos, nas páginas que leio, nas passagens sublinhadas que me dizem mais de teu ideário estético. Logo que tu te foste, a força do hábito me fez ligar para ti, lá do Bar do Galo, na Torre. Queria que viesses, como sempre o fazias, suprindo minhas carências, me socorrer do desespero que me habitava. Só que daquela vez ninguém me respondeu!
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TURISMO - 19/12/2024