João Pessoa, 26 de fevereiro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Abriu-se em minhas mãos, como se fosse o desabrochar da vida. E era! Sua polpa era muito amarelada e doce; seu perfume era leve, quase uma brisa; havia em mim um encantamento por ela – justo e merecido. Não foi fácil conquistá-la! Ela, exposta a minha visão, habitava o mais alto galho da mangueira, e a mangueira morava em um território distante e desabitado: a Serra do Desterro.
Para chegar lá, acordei-me cedo. Subimos pelas veredas sinuosas da serra eu, Manoel Ferreira, Totô de Veizé, Lino Grosso e outros de nomes não lembrados. Cada um com sua enxada, cada um com a algazarra que a amizade entrega à solidariedade necessária de quem está nas mesmas situações de penúria. Era – mesmo que não fosse – uma festa subir pelos caminhos trôpegos da Serra do Desterro!
O caminho era íngreme. Não havia chuva para fazer águas pelos açudes ou sustentar a plantação, mas a neblina, que esporadicamente caía, criava a falsa sensação de que ali no Sítio Saco Sinhazinha era inverno, e, em se plantando, tudo dava. Não, não se criava!
Afora a beleza do marmeleiro que se espichava fechando o caminho, transformando-o em vereda estreita e perigosa, afora o desenlace das ramas do mufumbo que se enrolava pelas nossas pernas, a despeito do floreio dos pés de pereiro e suas flores de perfume vivo, não obstante a flor do mandacaru (foto) que ficava viçosa e muito tarada naqueles dias, o verde da caatinga era muito bom, para aninhar o berçário das mutucas. As mutucas eram o inferno para as nossas pernas, que, se não fossem muito bem cobertas, ficariam em carne viva.
Mas o fato é que ali todos eram homens muito trabalhadores; eu, não. Ali eram todos homens formatados para a labuta mais pesada; eu, não. Eu estava ali, para fugir daquela realidade, haveria de juntar a grana, alugar uma casa em Sousa e fazer o meu segundo grau… enquanto isso, enquanto os meus parceiros tiravam, de folga, duas ou três carreiras de limpa, eu ainda estava na metade da primeira e já desesperado pela folga para o almoço.
O intervalo para o almoço era, para mim, a suprema felicidade. Foi em um deles que, após comer arroz, feijão e torresmo, abandonei meus amigos da lida, adentrei mais forte por entre a mata e, após passar pela barreira do açude, que estava seco e verdejante, deparei-me com um mangueiral frondoso e belo.
Era uma árvore esplendorosa, suas folhas elípticas eram verde-escuras; seu caule era baraúna de fortaleza, e, lá no alto, no seu último galho, pintada de ouro e sol, uma manga madura, doirada e orvalhada de desejo olhava para mim como se estivesse desesperada para me possuir.
Amor à primeira vista. Desde o tronco sinuoso e feminino daquela árvore suntuosa, escalei os seus galhos, um a um, do mais grosso ao último, e, no último deles, ali febril e pintada de raios de sol, aquela manga dulcíssima e encantada por mim!
Satisfeito, não foi fácil descer. Olhei para baixo, e o pavor caiu em mim. Ali, na copa da mangueira, sozinho e saciado, descobri-me um menino cuja coragem exigia de mim subir e descer pela vida construindo pontes.
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