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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Não moro mais na filosofia

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publicado em 06/03/2021 às 08h25
atualizado em 13/03/2021 às 08h28

Eu entrei na tela do computador e fui até a Argentina passear na Recoleta, a procura da alma de Borges, até que esbarro em Beatriz Sarlo, uma das intelectuais mais top da América Latina, ela com seu livro na cabeça: “A Cidade vista. Mercadorias e cultura urbana”. Esquece o título da obra.

No livro, a autora percorre e mapeia Buenos Aires – não a cidade turística, mas a cidade surgida e transformada nas últimas décadas em meio à crise econômica da Argentina. Piorou.

Eu nunca faço o de sempre, talvez nas providências. Los Hermanos ainda choram por ti, Argentina. Ao me ver se aproximar do algo surreal, a imagem de Evita Perón (foto) com seu cachorrinho andando na Recoleta, de braços dados com a cantora Madonna, no passo rápido do meu HD, vi logo que eu não queria mais estar em Buenos Aires.

Com a cabeça a mil, olho por olho, canino por canino, eu não queria estar de volta a filosofia, onde morei quando era jovem.

Botei um disco do Chico B para tocar – e lá vem ele dizendo que a filosofia, lhe auxilia a viver indiferente, “nesta prontidão sem fim, vou fingindo que sou rico pra ninguém zombar de mim” Esquece.

A tal filosofia, propriamente, começa quando se percebe que não há resposta para muitas perguntas. Exemplo: o que é o bem? É impossível encontrar uma conceituação universal que dê conta de todas as possibilidades contingenciais a ele relacionadas. E a vã filosofia? Não sei. Juro.

A filosofia, a partir daí, passa a ser uma pergunta sem resposta, cujo resultado está na ação da busca. Ao buscar responder o que é o bem, o que é bom, o indivíduo está nesse caminho, nele interessado. O bem, para a filosofia ocidental é isso. Buscá-lo.

Deixo a coisa pra lá, sossegado no lugar que me é de direito, longe da Recoleta. Ergo a cabeça, desço um pouco os batentes da varanda e sigo o anjo torno de Drummond, até chegar ao computador. Nenhuma dor. Tarefas cumpridas, e brota um surto de amor ao próximo. Isso é belo! Abraço-o com força, virtualmente.

Contra-ataque instantâneo: o noticiário mata. Esfolado, seguro o computador, com 1.840 mortos num dia, balanço, mas não caio. Emputecido, algo pula fora e vai filosofar noutro lugar. Na saída, ainda temos tempo, Francisco Taboza?

Uma amiga argentina me ligou dizendo que está criando um calango em seu apê, na praia de Manaira. Eu não entendi nada. “Eis” o fenômeno, a presença, o instante, uma pessoa começa a criar um calango como bicho de estimação. Algo em transe está acontecendo. É a pandemia, cujo sol semântico ilumina a página do meu computador.

Quer saber? Vou voltar para Recoleta, talvez lá, eu seja amigo do Dom Pérignon, digo, Dom Perón.

Kapetadas
1 – O Brasil já foi colônia, reino, império, república e agora tá rolando uma anarquia esquizofrênica.
2 – Te amo, te juros meus bens.
3 – Som na caixa: “Don’t cry for me, Argentina“, de Tim Rice, Andrew Lloyd Webber

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