João Pessoa, 17 de março de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Alguns espaços são mágicos, considerados os valores simbólicos que os permeiam. Não importam, aqui, a fisicalidade de sua arquitetura, o peso de suas fundações, o cálculo do tamanho, comprimento, altura, largura, funcionalidade e outros critérios da engenharia e da matemática. Importa, sim, sobretudo, a dimensão intangível e, às vezes, poética que se converte em tesouro memorável e nos possibilita a experiência sagrada de reter e cultivar o prazer das “imagens amadas”, como diria Gaston Bachelard (foto)
O quintal, quando havia quintais, era, sem dúvida, um lugar mágico para a criança e a fertilidade de seu imaginário. O sótão, o porão, o quarto, a biblioteca, este ou aquele recanto singular da casa (era o tempo das casas!) e a própria casa, na sua unidade geométrica, poderiam constituir esferas de aconchego, de intimidade, de recordação, de criatividade, na medida em que o conforto existencial de sua ocupação não raro se transmutava no encontro com as virtualidades essenciais da vida. Digamos: uma espécie de epifania!
Por exemplo: o bar, para o boêmio; o gramado, para o jogador; o campo, para o agricultor; a igreja, para o místico; a livraria, para o leitor; a cozinha, para o gourmet; o palco, para o ator; a pista, para o atleta, e tantos e tantos outros locais, com suas características peculiares, podem comportar aspectos intrínsecos de magia e poeticidade.
Poderia ter acrescentado à lista e ter dito: “a sala de aula, para o professor e para os alunos”. Ora, não vejo por que não arrolar este espaço, tido como pedagógico, entre aqueles que exalam o sabor das vivências mágicas. Afinal de contas, nesse espaço se viaja em múltiplas direções e se descobrem geografias e continentes desconhecidos que nos enriquecem a visão sobre nossa própria realidade.
Em primeiro lugar, é preciso diferenciar a sala da aula propriamente dita. A sala é um simples espaço físico, que pode ser confortável ou não, dependendo, é óbvio, de fatores materiais quase sempre relacionados ao compromisso ideológico dessa ou daquela política pública. A aula, por sua vez, é um espaço simbólico em que circulam, misturados, sentimentos, saberes, expectativas, desejos, utopias e afetos. Se há um tempo de começar a relação ensino-aprendizagem, ou melhor, o processo educativo, não há um tempo para acabar. Dir-se-ia que a cronologia preside tão somente o início institucional da experiência pedagógica que a aula virtualiza. Na verdade, o tempo da aula, tempo indeterminado por excelência, é o tempo psicológico, o tempo da duração, ou seja, um tempo que não termina.
Uma aula que se preze nunca acaba, pois seu espaço se alarga no tempo, numa espécie de sincronia decorrente da abertura essencial dos conteúdos e valores que são intercambiados na magia das relações humanas. Aula inaugural é possível, sim; não é possível uma aula terminal. Talvez uma aula da saudade, naquilo que ela contempla dentro de um ritual de recordação e de probabilidades.
A propósito, se a aula nunca acaba, a aula também não pode ser dada, ministrada, transmitida ou qualquer coisa que o valha. A aula só pode ser construída, e construída coletivamente, nesse espaço-tempo fundamentalmente simbólico em que todos, educador e educandos, colaborem com a magia de sua infinita realização.
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OPINIÃO - 22/11/2024