João Pessoa, 31 de março de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Palavra puxa palavra, livro puxa livro, autor puxa autor. A viagem infinita da leitura ou o caminho da felicidade começam por aí. Se penso na palavra “vereda”, lembro-me logo de Guimarães Rosa. “Banguê” me traz as moendas vocabulares do mundo de Zé Lins, e “pedra” me devolve os versos minerais de João Cabral de Melo Neto ou a mitografia parda e castanha de Ariano Suassuna.
Bagaceira, Pau d`Arco, Orfeu, Vidas Secas, Angústia, Itabira, Tabacaria, Pneumotórax e Tango Argentino perfazem, nas suas titulações e referências literárias, todo um arquivo livresco arquitetado nos aceiros da peixão. Paixão das páginas, paixão das linhas, paixão daquela frase ou daquele verso que me doam os capitulares de uma íntima sabedoria.
Não fosse o desespero de Irlânio Ribeiro, divagando, à noite, pelos ermos da Lagoa, logo depois de ler “O lobo da estepe”, não teria eu conhecido a narrativa admirável de Herman Hesse. Meu velho amigo Magno Meira, de saudosa memória, abriu-me os portões do “Ramalhete” e me apresentou a prosa cativante de João da Ega, em “Os Maias”, de Eça de Queiroz. Francisco Gil Messias me ofertou, nos idos da juventude, um “Livro de Poemas”, de Federico Garcia Lorca, e nunca mais me afastei da lira flamenga, com suas facas e punhais a dançar o ritmo do sangue e da morte.
Quando leio e releio William Faulkner, retomo meus papos intermináveis com Carlos Tavares, bem à beira dos abismos que a vida nos reserva, nos seus inesperados e surpreendentes declives. José Antonio Assunção, poeta maior de minha geração, vivia me dizendo: “Leia Borges, o poeta”, “Leia Borges, o poeta”. E Francisco Tadeu, livre pensador, sempre a me repetir: “Marx é indispensável. O método, sobretudo, o método”.
Devo a Zé Lins (foto) o encontro definitivo com Thomas Hardy, em “Judas, o obscuro”, assim como devo a Graciliano Ramos o prazer de ler e reler alguns contos de Marques Rebelo, principalmente “Em maio”, “Na Rua Dona Emerenciana”, “Caprichosos da Tijuca”, “Labirinto” e “Vejo a lua no céu”. Para o mestre alagoano, Marques Rebelo, como contista, iguala, se não excede, o próprio Machado de Assis!
Montaigne, ao falar de Sêneca, indicou-me o caminho do lúcido ceticismo. Não o da dúvida, simplesmente, porém, o que desconfia, investiga e vai a fundo na caça agônica da verdade.
Saio da “narratofobia” de Rodrigo Gurgel direto para Gilbert Keith Chesterton, a descortinar, perplexo, “o que há de errado com o mundo”. Aqui, os conceitos e ideias dialogam pela fina regência da ironia e dos paradoxos. Como se fora um texto poético, o mundo se revela em nova órbita semântica, num giro inaugural que funde estética e filosofia, ética e afetividade.
“Como falar dos livros que não lemos”, de Pierre Bayard, ensinou-me as origens da leitura, na composição de uma biblioteca subjetiva e virtual que nada tem a ver com as crispações científicas das catalogações didáticas e pedagógicas. Um livro, sim, leva a outros, assim como um autor não pode ser conhecido sozinho.
Sertão, palavra mágica. Nela leio Euclides, Guimarães e Ariano. Adjacências, fronteiras, demarcações… Tudo convida para a fascinação dos elos artísticos e para as ambivalências dos sentidos que se movem de um para outro no presente indomável da coisa literária. Tenho absoluta certeza: a leitura multiplica o mundo e, ao mesmo tempo, pacifica e inquieta a alma.
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OPINIÃO - 22/11/2024