João Pessoa, 03 de abril de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Kubitschek Pinheiro MaisPB
Fotos – Leo Aversa
A pandemia e o distanciamento social causaram grandes impactos na produção de milhares de cantores, compositores, instrumentistas e demais artistas pelo mundo inteiro. No Brasil, não foi diferente. A novidade é que Alceu Valença acaba de lançar “Sem Pensar no Amanhã” que reflete o momento pelo qual todos nós estamos passando. O disco está todas as plataformas digitais.
Gravado no Estúdio Tambor, no Rio de Janeiro, este é o primeiro de três discos intimistas que fazem releituras dos clássicos da sua carreira, além do samba inédito, homônimo ao título do álbum. Alceu recria canções que se tornaram clássicos como “Ciranda da Rosa Vermelha”, “La Belle de Jour” e “Táxi Lunar”, além de canções nem tão conhecidas de sua obra, como “Beija-flor Apaixonado” e “Mensageira dos Anjos”.
Na década de 70, Alceu Valença morou em Paris. Na capital francesa, como não tinha banda para o acompanhar, seu companheiro mais fiel foi o violão. Foi nessa época que ele compôs e lançou “Saudade de Pernambuco”. Foram necessárias mais de quatro décadas – e uma pandemia – para Alceu voltar a pegar o violão com tanta intimidade. Cumprindo quarentena em seu apartamento no Rio de Janeiro, o compositor viu sua rotina intensa de viagens ser interrompida pelo novo coronavírus. Sem colocar o pé na estrada, ele viu no instrumento seu refúgio. E foi longe.
Com produção de Rafael Ramos, o disco conta com 11 músicas. Este é o primeiro trabalho do artista em 2021. No ano passado, Alceu Valença soltou o projeto “Valencianas Em Casa”, com versões de alguns sucessos de sua carreira.
Em janeiro desse ano, Alceu foi confirmado como uma das atrações do Coala Festival 2021. O evento está previsto para ser realizado em setembro e já conta também com nomes como Gal Costa, Maria Bethânia e Black Alien.
Nascido em São Bento do Una, Pernambuco, no dia primeiro de julho de 1946, este ano Alceu Paiva Valença fará 75 anos. Esse cara cresceu em convívio permanente com os elementos vivos que ajudaram a consolidar a cultura do Nordeste, o Nordeste mais profundo.
Em entrevista ao MaisPB, Alceu fala como nasceu a ideia desse disco “Sem Pensar no Amanhã” , anuncia mais três CDs, diz que teve coronavírus, já tomou a primeira dose e faz revelações da sua vida.
MaisPB – “Sem Pensar no Amanhã”, já nos faz pensar no amanhã, não é Alceu?
Alceu Valença – Pode ser. Mas nesse caso aí, fala do cara que estava na Pitombeira (dos Quatro cantos, bloco fundado em 17 de fevereiro de 1947), dançando com uma moça bonita. Ele não estava pensando no amanhã. No aqui, agora, tá muito cruel, essa pandemia está nos matando.
MaisPB – Então, você começa por Alceu Valença?
Alceu Valença – Eu tenho vários tipos de música e vários tipos de shows: canto carnaval com o frevo, maracatu e caboclinho. Tem meu show de São João, é baião, é xote e é xaxado, que liga a cultura do sertão. Eu sou de São Bento do Una. A minha segunda cultura é Recife e Olinda, e a terceira cultura, é que logo cedo fui para América, fazer cursos na universidade de Harvard. Depois morei um ano fora do Brasil, em 1979, em Paris. Em 1972 eu já morava no Rio, esse é o Alceu. Eu absorvi esses tipos de cultura de uma maneira muito natural. Aí começa a história do artista Alceu Valença.
MaisPB – Esse disco traz sua voz e o violão. Como surgiu essa ideia de gravar sucessos com novos arranjos, de um jeito bem intimista?
Alceu Valença – Vou contar. Esse disco é inédito, mas em 1979 quando morei em Paris no Quartier Latin, toquei muito violão. Explico: quando eu vou para Paraíba com a banda, as pessoas levam para mim o violão e já está afiado e eu toco. Nesses tipos de shows eu toco uma, duas vezes o violão. Em 1968, eu tinha feito o disco Vivo, (e terceiro de carreira do cantor lançado em 1976 pela gravadora Som Livre). O disco foi gravado no Teatro Tereza Rachel durante as apresentações do show “Vou Danado Pra Catende” e fiz outro chamado “Espelho Cristalino”. Eu toco menos violão porque eu gosto de me movimentar no palco. Naquele tempo ainda não existia violão elétrico.
MaisPB – Como é a história de que não tinha radiola em sua casa?
Alceu Valença – Meu pai tinha condições de comprar uma radiola pra gente, ele era promotor, mas não tínhamos radiola lá em casa, por minha causa. Ele não queria que eu seguisse a carreira de artista, porque tinha dois irmãos dele que tocavam bem violão, mas não se formaram. Ele dizia que deveria fazer um curso superior e eu estudei Direito. Eu já tinha intimidade com o violão, mas não tinha discos para ouvir. E depois, a mesada era curta.
MaisPB – E aí, durou até quando?
Alceu Valença – A minha formação, vem de uma música velha minha: “Pelos ouvidos passaram/ A voz do rádio, sabiá, bem-te-vi, E o vento música nos pés de capim”, (canta ele pelo telefone). As primeiras vem daí.
MaisPB – Saíram do sertão e foram morar em Olinda?
Alceu Valença – Sim, a nossa casa, eu fiz até uma poesia, em que chama de “canarvalodroma”, porque era a passarela dos frevos de rua, de blocos, maracatus, caboquins. Eu era vizinho do maestro Nelson Ferreira. Toda essa cultura entrou na minha cabeça. Eu ainda era garoto, estudante de Direito. Fui muitas vezes para Ilha de Itamaracá dançar ciranda, no Forte Orange. O carnaval entrou na minha cabeça de forma natural.
MaisPB – A canção que dá nome ao disco “Sem Pensar no Amanhã” você fez nessa pandemia?
Alceu Valença – Sim, fiz na pandemia.
MaisPB – Quando morou em Paris, você fez um show e gravou um disco?
Alceu Valença – Eu e Paulo Rafael. Passamos dois meses no Teatro Premier. Fiz um disco com meu violão, com Paulo Rafael e um percursionista paraibano, Fernando Falcão. O nome desse disco é “Saudade de Pernambuco”. Eu já tinha gravado um disco com Geraldo Azevedo e outro “Molhado de Suor”, o terceiro “Vivo” e o quarto “Espelho Cristalino” Quando eu fui para Paris eu já tinha gravado esses discos.
MaisPB – “La Belle de Jour” aparece neste disco novo. Você fica sofejando em vários momentos. Vamos falar desse clássico? Você teve uma belle de jour ou vem lá do filme de Luís Buñuel, com a bela atriz Catherine Deneuve?
Alceu Valença- Eu fiz essa música depois de muito tempo. Eu estava fazendo “A Noite do Espantalho” (um filme musical brasileiro de 1974, dirigido pelo compositor Sérgio Ricardo) em Nova Jerusalém, eu era o espantalho. Quando tinha uma folga de filmagem eu ia para a casa de minha mãe, na praia de Boa Viagem. Numa dessas vezes, olhando pela janela vi uma moça dançando um balé clássico, na beira do mar, ela sozinha. Isso ficou na minha cabeça. No outro dia eu encontro Paulinho Rafael, na Rua das Ninfas, que eu não o conhecia e nem ele a mim. Dias depois, fui para Olinda, subi a ladeira da Misericórdia e no pátio da igreja, tinha uma pessoa tocando, era o Paulo Rafael. De repente sai uma moça com cabelos lilás e olhos de purpurina. Era a mesma moça da praia de Boa Viagem.
MaisPB – E seu encontro com a atriz Jacqueline Bisset, em Paris?
Alceu Valença – Na década de 80, eu fui participar de um festival em Paris, um show incrível, o Festival Paris l’été, Depois fomos comemorar num bar dos filósofos. Comecei a falar alto, cantar sem violão, uma moça olhou para mim e perguntou: “Quem é você?” Sou um poeta e ela pediu que eu fizessem uma poesia para ela, e eu fiz , mas já tinha escrito muito antes, está no meu livro “O poeta a Madrugada”, e mostrei a ela o poema, ela adorou e me ficou me chamando do poeta. Na volta pra casa, Welington Lima, que era meu empresário na época, disse “Alceu, sabe quem é aquela moça que estava dando bola a você?” Era a atriz Jacqueline Bisset. No dia seguinte eu fiquei pensando que tinha conhecido Catherine Deneuve, do filme de Bunuel, só que isso foi em 1985/86/. Então, eu fiz essa musica em 1991, me lembrando desse encontro e daquela moça que eu vi dançando na praia de Boa Viagem. Gravei num disco e foi sucesso.
MaisPB – A “Mensageira dos Anjos” nessa releitura ficou mais bonita. Vamos falar dessa canção?
Alceu Valença – Essa canção também foi feita para a moça da praia de Boa Viagem dançando balé, que eu só vim conhecer depois, está no disco “Molhado de Suor”.
Mais – Não poderia faltar “Taxi Lunar” nesse disco, não é Alceu?
Alceu Valença – Também foi feito para essa moça de Boa Viagem, essa mesma musa, onde eu digo “pela sua cabeleira vermelha, pelos raios desse sol lilás….” Essa música eu só canto a parte que eu compus e refrão e tem a parte de Zé Ramalho. A composição é minha, de Geraldo Azevedo e Zé Ramalho. Segundo Geraldo, Zé tinha botado “apenas apanhei em Cuibá um táxi na estação Lunar”. E Geraldo pediu para trocar, por “beira mar”.
MaisPB – Na canção “Seixo Miúdo”, você cita Neil Armstron, que foi a lua em 1969?
Alceu Valença – Eu estava fazendo um curso na Universidade Harvard, em Boston, estava no refeitório quando o homem subiu a Lua e eu vi numa tv, isso me marcou. Aí eu pego o táxi para estação lunar e depois eu me lembro do trem, que pegávamos eu e Geraldo Azevedo, do Rio para São Paulo, e parava na Estação da Luz. Tempos depois eu ia passando por lá, eu fiquei imaginando o trem das cores, dos pintores, das papoulas vermelhas, rosas e amarelas, era um trem imaginário, ia para todas as praias, até a Ilha de Itamaracá.
MaisPB – É o trem da canção Estação da Luz?
Alceu Valença – Claro, derramando seus azuis. Inclusive, quando eu gravei, tem um trem na capa, foram os pintores de Olinda, que fizeram quadros para cada canção. Ou seja, esse trem me levou para onde eu dançava a Ciranda da Rosa Vermelha, (na Ilha de Itamaracá), esse disco novo é assim, uma coisa liga a outras canções.
MaisPB – Pois é, a Ciranda da Rosa Vermelha. Vamos falar dessa mistura de duas canções, uma de domínio público e outra sua?
Alceu Valença – A primeira versão dessa música eu fiz para Elba Ramalho, só que ela cantava de sua maneira, são duas versões, uma masculina e outra feminina. Eu já tinha gravado num disco “Ciranda Mourisca”, há muito tempo.
MaisPB – Vamos falar da canção “Beija Flor Apaixonado”?
Alceu Valença – Eu fiz para um filme que que ia fazer sobre o carnaval de Olinda, eu e o carnaval, um longa. Tinha um ator, o Tito Lívio que morreu. Aí parei o filme. Essa é o Bloco do Beijão que não existe, mas que eu inventei para fazer o meu filme, eu canto, “o carnaval passou, agora Olinda na tranquilidade só o barulho dos sinos, cânticos do mosteiros….”
MaisPB – Segura a coisa que eu chego já, virou um hino do carnaval. E, mesmo no violão você nos convida para brincar um carnaval imaginário. Fale aí dessa regravação?
Alceu Valença – Sim, essa música faz parte da minha vida. É linda.
MaisPB – Nesse disco você mistura seus amores, Olinda e Recife. O que virá nos outros discos?
Alceu Valença – É claro, praia de Boa Viagem, as lembranças estão aí. Agora na pandemia, eu peguei e comecei a tocar toda noite. Outro dia, minha mulher estava no quarto, e ela dizia, “está lindo”, “que maravilha”, e eu pensava que era uma série que ela estava assistindo, depois de umas vinte músicas, ela disse tá lindo, você tocando violão e cantando. Daí nasceu o primeiro disco. Ela que sugeriu, e falamos com Rafael da gravadora Deck.
MaisPB – E os outros?
Alceu Valença – Tem outro eu sozinho, um com Paulinho Rafael, e um quarto que eu ainda vou gravar. Dois já estão gravados. “Era verão”, é o nome do segundo. O com Paulino vai se chamar “Eu Vou Fazer Você Voar”. O quarto sou eu tocando no violão forró, baião, xaxado…
MaiPB – Você acha que está perto dos shows voltarem e a gente se abraçar novamente?
Alceu Valença – É complicado, eu de minha parte estou bem. Já tive o corona, quando voltei de Portugal. Fui gravar um DVD na cidade do Porto, com a orquestra Ouro preto. Voltei para o carnaval de 2020. E depois para o Recife. Estava com uma dor na garganta, tosse seca, mas conseguia cantar, e muitas dores musculares. Minha mulher também pegou. Só não fomos hospitalizados. Rafael meu filho teve e foi bater no hospital e ninguém sabia o que era. Eu até falei com o maestro, que foi com a gente para a cidade do Porto, ele disse que todo mundo tinha voltado com febre, tossindo muito. Depois fizemos o IGG, e deu que todos nós já tínhamos tido a Covid.
MaisPB – Já se vacinou?
Alceu Valença –Tomei a primeira dose. Mas a gente se cuida, continuou usando máscaras. Eu não pego na mão de ninguém, uso boné, quando vamos ao mercado, aqui no Rio e nunca mais fomos a restaurantes.
MaisPB – Qual sua opinião sobre esse governo Bolsonaro?
Alceu Valença – O Brasil era para ter se adiantando desde o inicio e ter buscado as vacinas há mais tempo, estaríamos em melhores condições. Ele diz tudo ao contrário, nunca nem vi essa tal de cloroquina.
MaisPB – E sua relação com a Paraíba?
Alceu Valença – Gosto muito. Eu tenho uma ligação forte com a Paraíba, meu tio Antônio saiu de Pernambuco e foi morar em Sapé. E temos amigos aí.
MaisPB – Quantos filhos enveredaram pelo caminho da música, Alceu? –
Alceu Valença – Tenho 4 filhos, Ceceu está tocando muito com muitas visualizações no canal dele. Juba, também.
MaisPB
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