João Pessoa, 07 de abril de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Embalados ao som da canção que dizia que o boi da cara preta vinha pegar quem tivesse medo de careta, movidos pelo próprio medo do fato, fechávamos o olho para apressar o sono. Sem falar em quem tinha medo do lobo mau, que pegava as criancinhas para fazer mingau…
Minha mãe, que com certeza lerá esse artigo, me embalava cantando em uma rede e repetia a canção que um dia fora cantarolada pela minha avó para fazê-la dormir. Os ensinamentos e comportamentos, quase como em uma brincadeira de “desconta noutro” passam alguns medos de geração a geração… Alguns até tão normalizados que vão se repetindo para outras gerações, até que seja desconstruído e ceda espaço a outras verdades e motivos ao tão temido medo da época.
Lembro inclusive, de quando minha filha começou a andar e sempre dizíamos: que bom, ela é medrosa! Ao perceber que parava em muitos locais que poderia cair, para se segurar e as vezes se detinha diante de algum perigo interpretado por ela. E assim, podem se apresentar as nossas reações ao medo, muitas vezes nos paralisando ou fazendo recuar.
O medo é um estado de alerta extremamente importante para a sobrevivência humana, o cérebro funciona ativamente para garantir a sobrevivência de todo o organismo. Uma pessoa sem medo nenhum pode se expor a situações extremamente perigosas, arriscando a própria vida, sem medir as possíveis consequências trágicas dos seus atos.
Quando alguém está com medo, o corpo dá sinais fisiológicos, a boca fica seca, a palma da mão começa a suar, o coração acelera, a respiração fica ofegante e o corpo todo fica em alerta, justamente como forma de se preparar para o confronto ou a fuga contra o objetivo de perigo.
O medo pode se apresentar em dois modos: o objetivo e o subjetivo. O objetivo quando necessariamente é algo concreto, como uma doença, um assalto ou qualquer outra situação de perigo real. No âmbito subjetivo, nosso foco de discussão, o medo se propaga vinculado às interpretações da sua causa, desencadeado apenas e a partir de uma ideia em relação a algo que seja desagradável.
Medo de julgamentos pelo outro, da solidão, do fracasso, da não aceitação entre várias outras situações que podem ser criadas e alimentadas por nossas experiências passadas. Quase todas as situações de medos subjetivos, tem a base do medo do desconhecido, afinal não sabemos o que se passa na mente das pessoas, da mesma forma que não temos o controle sob o nosso futuro.
Inclusive, esse medo não se dá apenas em situações difíceis ou de perigo, ele também se dá em situações positivas, como ao assumir um novo emprego ou cargo, iniciar um novo negócio, ou até mesmo um novo amor. As incertezas e as dúvidas são amigos do medo, que inclusive traz consigo um sentimento de incapacidade, fraqueza e falta de força. É como se o que lhe causa medo fosse mais forte que você, alterando a sua percepção de si mesmo e, por consequência, a sua autoestima e autoconfiança.
Em uma época de extrema cobrança por sucesso, na qual o planejamento e crescimento pessoal, a performance, o foco na identificação de gatilhos são pontos que devem ser vividos, o medo está quase que como a presença do fracasso. As pessoas ficam quase se sentindo culpadas, por não se serem fortes o suficiente e muitas delas não entendem que o medo faz parte do processo, nem que seja para ele ser encarado e servir como um balizador das nossas ações.
Se não nos dispomos a encarar os nossos medos, teremos uma vida baseada na fuga e na negação, com atitudes que seguramente poderão boicotar as nossas reais possibilidades. Arriscar seus medos pode trazer a conquista do que almeja, porém muitas vezes a segurança do não arriscar pode garantir uma situação de maior segurança e conforto. Todavia as grandes conquistas não acontecem nessa zona de inércia e muitas vezes precisamos ouvir: deu medo? Vai com medo mesmo…
O medo, muitas vezes na função de nos proteger do desconhecido, pode cegar os nossos sonhos, exatamente como na canção “Só os loucos sabem”, da extinta banda Charlie Brown Jr. Os sonhos precisam ser planejados e vividos, sem serem atropelados pela insanidade relativa do medo, que altera a nossa percepção do alcance das coisas.
O único medo que não podemos ter é o medo de ser feliz.
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OPINIÃO - 22/11/2024