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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

A bioética veio para isso

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publicado em 13/04/2021 ás 07h07

Estamos em tempos de experimentos. Em fase de testes. Há muitos medicamentos a surgirem. E, antes do teste em humanos, faz-se teste em animais de laboratório. Não que eu ache que sejamos mais humanos que muitos animais; ou que animais não sejam tão humanos quanto nós. Pelo menos, na dor, no sofrimento, são sim. Não que humanos não possam ser selvagens em seus pensamentos e ações. Basta ver esse menino Henry, 4 anos, morto por espancamento. De quem? Do padrasto, com conivência da mãe. Aí a gente vê que humano é um bicho de sete cabeças.
No rastro do que nos acontece, as ciências médicas e afins, viraram um pandemônio, casa de ninguém. Todos opinam. Todos mandam. Os cientistas batem cabeça. Os profissionais de saúde também. Até a Xuxa disse como devem ser os testes de medicamentos: em presos. O tema das experimentações, me fez pensar no episódio mais forte que, digamos, deu origem à bioética. Da teorização e construção de um cabedal de exigências para se fazer pesquisa que envolvam pessoas.
Não tem muitos anos. Ainda não é um conhecimento, digamos, de tanta amplitude. O experimento escandaloso, vem do Centro de Saúde Tuskegee, da cidade de Macon, no estado do Alabama. O estudo tinha por objetivo, observar a evolução da doença, livre de tratamento, e durou 40 anos (1932-1972). Selecionaram 600 homens negros, 399 deles com sífilis, para um experimento científico: 399 para observar a progressão natural da sífilis sem o uso de medicamentos, e outros 201 indivíduos saudáveis, que serviram como base de comparação em relação aos infectados.
Os doentes, porém, não sabiam que doença tinham, receberam a promessa de que seriam tratados e teriam algumas vantagens como transporte, refeições, auxílio funeral, em caso de morte, e algum prêmio em dinheiro pela participação. Ao final do estudo, obsceno e absurdo, um desastre: 74 pacientes ainda estavam vivos; 25 tinham morrido diretamente de sífilis; 100 morreram de complicações relacionadas com a doença. Mais: 40 das esposas das cobaias humanas haviam sido infectadas pela doença, e 19 de suas crianças haviam nascido com sífilis congénita. Essa coisa hitleriana está no filme Cobaias – O caso Tuskegee.
Mais grave: a partir da década de 1950, mesmo havendo tratamento estabelecido para sífilis, eles continuaram no experimento do mesmo modo, sem tratar. Nessa época, início da década de 1950, já havia sido proclamado o Código de Nuremberg que estabelecia as primeiras diretrizes éticas internacionais para a pesquisa em seres humanos. E a Declaração de Helsinki desde 1964, a uma distância temporal de 8 anos antes do fim do estudo, que só foi interrompido pela denúncia de sua existência no “New York Times”.
Pois é. Cientistas, estudiosos, leigos e “opinadores” têm pulsões agressivas e destruidoras tão primitivas quanto qualquer um ser humano. Muitas vezes, conscientemente irracionais. A bondade anda ao lado da maldade e da maledicência. Melhor não deixar para o “bom senso” de ninguém, decidir sobre o que se deve fazer para proteger quem participa de experimentos. A bioética veio para isso. Vai que tenha um cientista encapetado.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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