João Pessoa, 20 de abril de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
No episódio racista do BBB, a garota Camila se expressou assim: “a gente não quer mais ensinar. Leiam . Vejam na Internet.” Falava Camila que os pretos estão cansados de falar para os outros, todas as vezes que alguma coisa os ofende, notadamente, por conta da sua cor. O episódio ocorreu por causa dos cabelos de um dos confinados. Nenhum constrangimento haveria, se o participante tivesse ouvido nosso Chico (foto): “respeitem meus cabelos, brancos”!
Eu não queria mais ver a exposição de pessoas. Eu queria que tivesse menos cinegrafistas nas ruas, e que nem todas as imagens filmadas fossem parar na rede virtual. Eu queria que, quando se filmasse algum episódio, não se expusesse aquela gente. Salvo, se isso fosse relevante, no caso de algum crime cometido. Se houvesse alguma injúria e as imagens testemunhassem a favor da vítima.
Só que há uma distância abissal entre o meu desejo e o desejo de cada um. E como são ilimitados os desejos! Como são imensuráveis os sensos que existem vagando a esmo. Mais vale a curtida, que a privacidade alheia.
Foi nessas entranhas, que numa lotação, uma passageira, sem motivo algum, constrange um casal, um homem e uma mulher, negros. E o fez de maneira tão humilhante, que o homem desembalou a chorar. Bem que o poeta havia nos avisado: “um homem também chora, menina morena.” Chora de amor. De dor . De humilhação. E foi assim que aquele passageiro da lotação urbana reagiu: chorando.
Quem xingou? Uma doente mental que havia fugido de casa e a família a procurava desesperadamente. Encontraram-na na Delegacia. Agressiva. Fora de si. Um outro tipo de minoria constantemente constrangida por todos os “normais”. Não bastassem os perseguidores imaginários, descendo no rio por onde correm seus pensamentos; também sofrem estigmas. E segue na luta contra o eu modificado. Imagens difusas. Vulcão e tempestades no tranquilo deserto de outrora.
Tanto quanto Camila, e assim como nossos irmãos de mesma ou diferentes etnias, também cansei dessas cenas. Queria muito que elas não existissem, nem contra a cor, nem contra o furta-cor da mente de ninguém. Que aprendêssemos a acolher e recebê-los do jeitinho que são. Tanto quanto gosto de ser recebido da maneira que sou.
Escrevo do mesmo modo que acontece nas intermináveis fantasias de quem alucina. E comigo insisto: seria tão libertador de nós mesmos e dos nossos próprios medos, se, mesmo contra o que é real, pudéssemos, como numa cantiga de roda, numa ciranda, ou numa brincadeira de criança, pudéssemos catar juntos, sem as diferenças infames que havia. Era só o que eu queria.
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OPINIÃO - 22/11/2024