João Pessoa, 28 de abril de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos tem? Eis a pergunta que Humberto de Almeida se faz e faz aos outros, no dia dos anos do fotógrafo Antônio David.
Cá com meus botões, fico matutando…
Nem poderia ter a idade da chuva, com suas imagens molhadas e radicais, refletindo a solidão da paisagem nessa tarde vadia. A paisagem de fora, sacudida pelos arroubos tristes do mar de Cabedelo, e a paisagem de dentro, carcomida pelos búzios melancólicos dos mares mais estreitos, escusos, não navegáveis.
Nem poderia ter a idade da gaivota que sobrevoa, solitária, a pele cintilante da praia que quebra, na areia úmida, suas ondas inominadas, assim como não poderia ter a idade daquele barco bêbado no horizonte, cativo dos enigmas das águas que devassa no seu ritmo de doce e perigosa volúpia.
Não, não poderia ter a idade daquele rochedo batido pelas espumas, banhado em sua alma altaneira diante da vastidão do mar como o personagem central dessa narrativa feita de caracóis imaginários e de aquários intangíveis, fortemente preparado para o discurso das ventanias e das tempestades.
Nem poderia ter a idade dos náufragos em seus apelos mudos no fundo do abismo. A idade das algas mais flexíveis, dos peixes e marinhas que se digladiam na textura das correntes submersas que movimentam secretos idiomas.
Nem poderia ter a idade azul dos oceanos que circundam a minha alma. A idade da terceira margem. A idade dos veleiros que não voltam mais. A idade dos ventos desobrigados das melodias alucinadas por onde ecoa a voz dos martírios e dos milagres.
Não, não poderia ter a idade dos pássaros que migram no desafio das topografias aquáticas, inscrevendo seus versos emblemáticos nas esferas ocas do tempo e do espaço à maneira de habitantes silenciosos e inatingíveis.
A idade do mar, a idade da terra, a idade do tempo, a idade da eternidade, a idade da vida e a idade da morte. Nenhuma delas poderia ter. Quem sabe, uma idade sem idade, inapreensível, misteriosa, ao mesmo tempo vitoriosa e derrotada pela fúria imperceptível dos anos.
Uma idade a que ninguém escapa. Uma idade única, fixa, dura e fechada em sua lógica implacável e definitiva. Uma idade que não passa. Uma idade que permanece e que desaba sobre o nosso corpo, não importa a aritimética dos dias nem muito menos a força indescritível das palavras.
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OPINIÃO - 22/11/2024