João Pessoa, 31 de maio de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Estou numa idade em que, para alguns amigos, tenho idade de ser filho; para outros, tenho a idade de ser pai. Encaminhando-me para os 65 anos, tenho a consciência da idade e das condições em que me encontro. Certamente, há desvantagens em ser idoso, mas não reclamo ou me lamento. Ainda que tenha passado a esbarrar nos móveis, portas e objeto com mais frequência, diante da lentidão que me espreita como fera para dar o bote; ainda que a barba, que nunca foi lá essas coisas, e as unhas estejam crescendo mais rápido, por causa do retraimento natural da pele; ainda que perceba o tônus muscular meio indeciso, encaro tudo isso com naturalidade. Afinal, estamos dentro de um ciclo que não podemos modificar: nascer, crescer, morrer.
O que nos falta é compreender que, entre o nascer e o morrer, estamos crescendo e aprendendo. É o momento em que, entre outras coisas, devemos aprender sobre a morte e nos preparar para a sua chegada. Não é morbidez, é apenas a consciência diante do inevitável, uma passagem obrigatória para uma viagem, que adquirimos quando entramos na vida. Todos morreremos.
Mas se há desvantagens em ser idoso. Tenho direito a um lugar especial, numa vaga mais larga, nos estacionamentos, desde que algum idiota não a ocupe; recebo primeiro que todos a minha devolução do Imposto de Renda, quando há; tenho direito a prioridade em atendimentos etc. Há, no entanto, uma vantagem maior e excepcional em ser idoso, que os mais jovens só terão quando forem velhos: a experiência. A madureza, para quem enfrenta a vida sem vê-la como mistério e aceitando as consequências de suas escolhas, ensina. Sobretudo, ensina que, sem sofrimento, ou trauma, como dizem os psicanalistas, não há crescimento. Há quem passe a vida inteira, achando que estamos aqui a passeio, numa festa eterna. Não. Estamos aqui para aprender e evoluir.
A experiência me ensinou, por exemplo, que já passei da idade de comprar discurso pronto, de quem quer que seja. À medida que você vai perdendo a velocidade da juventude, vai adquirindo o hábito da reflexão e o raciocínio se torna mais apurado. Pelo menos assim se deu comigo. Os discursos prontos e replicados sem reflexão já não me irritam, ao contrário, eles me fazem pensar ainda mais. Como é que pessoas, que se dizem cultas e fazem apologia ao livro, que crucificam quem não é capaz de interpretar, dão provas vivas de que o que leram não ajudou em nada a interpretar a realidade ou a construir um escudo, uma carapaça contra o discurso doutrinário? Muito pior é perceber quanto autoritarismo se esconde diante de um discurso que aparenta tolerância. Se você, leitor, tiver dúvidas, discorde delas e verá. A argumentação passa rapidamente para o plano pessoal. Isto é, vira xingamento.
Como estou a cada dia mais velho, dou-me o direito de rir e de fazer aqui e acolá uma ironia, ao ver pessoas escravizadas a uma doutrina e atribuindo o seu sofrimento a outros, quando é ela mesma que se flagela. Discernir entre o que pode e o que não pode mudar é uma tarefa impossível a quem se deixou levar pelo doutrinamento, mesmo porque, no máximo, só podemos mudar a nós próprios. E isto exige um trabalho descomunal.
Quanto aos que se lamentam por causa da velhice ou a temem, só há uma solução: morrer jovem. Se ainda fossem heróis míticos em busca da glória imperecível…
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