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Antônio Colaço Martins Filho é chanceler do Centro Universitário Fametro – UNIFAMETRO (CE). Diretor Executivo de Ensino do Centro Universitário UNIESP (PB). Doutor em Ciências Jurídicas Gerais pela Universidade do Minho – UMINHO (Portugal), Mestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal), Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Autor das obras: “Da Comissão Nacional da Verdade: incidências epistemiológicas”; “Direitos Sociais: uma década de justiciabilidade no STF”. E-mail: [email protected]

Liev Tolstoi e Sucessão Empresarial

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publicado em 07/06/2021 ás 07h59
atualizado em 07/06/2021 ás 08h42

O conde Kirill Vladimirovich Bezukhov era titular de uma das maiores fortunas da Rússia no romance “Guerra e Paz” (1869) de Liev Tolstói (foto). Para a surpresa dos aristocratas russos, o conde elegeu o seu filho ilegítimo Pyotr Bezukhov como herdeiro da sua fortuna. Este fora educado na França, desprovido de vínculos morais paternos e totalmente alheio aos negócios do pai. Subitamente, tal como Nemorino, na Ópera-bufa L’elisir d’amore, o socialmente desajustado herdeiro passou a ser desejado no círculo aristocrático.

De personalidade errática e postura claudicante, Pyotr foi facilmente manipulado a convolar núpcias com a bela Helena, mesmo convicto de que não a amava. A crise matrimonial, aliada à falta de autoconfiança o levaram, ademais, a aderir impulsivamente à franco-maçonaria.

No que diz respeito à condução dos negócios, o jovem conde não tinha inclinação nem aptidão para a gestão, tampouco tinha a disciplina e resiliência necessárias para perscrutar diretamente as atividades que criaram e mantinham a sua fortuna. Sendo assim, delegava praticamente toda a administração ao intendente-chefe, de quem recebia todas as informações atinentes ao desempenho de suas atividades econômicas.

Pessoalmente, Pyotr restringia-se a realizar inspeções superficiais, esporádicas e previamente agendadas com o intendente-chefe, que considerava as ideias de seu patrão extravagantes e absurdas, mas não o contrariava explicitamente. Numa dessas incursões, o ingênuo herdeiro foi levado a crer que camponesas lactantes que ele havia liberado do trabalho da corveia estavam em melhores condições, quando, a bem da verdade, elas passaram a executar trabalhos bem mais penosos nos próprios campos.

O conde, em sua busca pela regeneração espiritual, destinava consideráveis recursos para beneficiar os servos, que almejava liberar da servidão. Não obstante, a falta de contato direto com as atividades desenvolvidas em suas propriedades o levou a ignorar que uma minoria fazia uso dos mencionados recursos para tirar proveito dos camponeses ainda mais. Assim, o inexperiente herdeiro cultivava a percepção de que tudo transcorria de forma ordeira e que fazer o bem lhe custava muito pouco esforço.

A trama acima resumida ilustra uma situação que julgo comum na realidade das sucessões de empresas familiares. Primeiramente, não houve planejamento para a sucessão – o herdeiro não foi preparado para herdar os bens, tampouco para assumir os negócios. Em segundo lugar, o sucessor não era familiarizado com as práticas que resultaram no acúmulo de riquezas por parte de seu antecessor.

Também merece destaque o fato de que a educação de alta qualidade recebida por Pyotr não lhe foi de muita valia na condução dos negócios. Sem a mínima vivência no cotidiano dos negócios, o jovem conde não logrou articular os conhecimentos com as necessidades práticas da gestão. À míngua de referência moral familiar, a familiaridade com questões filosóficas mais abstratas suscitou-lhe apenas dúvidas e angústias.

O romance oitocentista de Tolstói nos transporta para a era das Guerras Napoleônicas na visão da aristocracia russa. Embora o tema pareça distante do contexto empresarial atual, a sucessão do conde Bezukhov nos revela que os desafios da sucessão familiar-empresarial já se faziam presentes do outro lado do mundo, há mais de um século. O caso fictício dos Bezukhov reforça a necessidade de articular a cultura familiar-empresarial (valores, princípios e crenças), o conhecimento teórico e a prática real na atividade empresarial, com a finalidade de preservar os negócios da família empresária.

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