João Pessoa, 23 de junho de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Desde nossos primórdios o homem enfrenta dificuldades e empecilhos que tinham que ser superados. Constata-se que é inerente a ele o potencial da capacidade de superação. Foi desafiado a sobreviver, buscar seu alimento, caçar sua presa para saciar sua fome, conseguir abrigo para proteger-se dos animais. Para alcançar esse objetivo teve que vencer os obstáculos que se apresentavam; o medo, o clima, as intempéries da natureza, tempestades, trovoadas etc., a fim de criar uma situação de conforto, bem estar e garantir a subsistência. Nessa época, predominava a força física, a ação e a criatividade. A convivência em grupo também precede a história do homem em sociedade, ser gregário que se constrói no contato com o outro. Ao nascer diferentemente dos outros seres vivos é dependente em todos os aspectos e necessita de cuidados do grupo ou da família e outros que lhes permitam sobreviver. Em contato com outros ele adquire sua identidade, crenças, valores e expectativas em relação à vida. É a partir daí que se estabelece o processo de formação do que sou eu e do que não sou eu, da autoimagem, daquilo que percebe como EU, e também daquilo que percebe como sendo capaz de realizar. Estabelece posições e situa-se diante da vida. A história da humanidade transparece a capacidade de superação do homem e seu evoluir até chegar à civilização. Diante das dificuldades condicionantes sociais e econômicas o que leva uma pessoa a superá-las? Descobrir a cura de doenças, viajar no espaço, ajudar na felicidade dos demais, ser o construtor de seu próprio destino. Senhor de si mesmo, com vontade, amor e inteligência em ação.
Giordano Bruno (foto) (1548-1600), filósofo renascentista, explica o poder da razão humana para entender o universo infinito. Para ele, os mesmos princípios aplicados no universo também estariam no ser humano. Aristóteles (384-322 a.C.) sobre Areté (ἀρετή), “cada ser humano representa uma potência a ser desenvolvida pelo poder da educação”, existência humana deveria refletir o movimento do universo, quando vemos unidas a ciência de Giordano Bruno e a ética de Aristóteles.
Conheci uma moça lindíssima, de porte garboso e corpo de manequim. Pessoa que chama a atenção pelo seu físico, aparência e elegância de comportamento. Para surpresa, descobri que não falava e nem ouvia, mas transparecia que aqueles elementos não lhe faziam falta tamanha era sua naturalidade. Morava em Monteiro, cidade do interior da Paraíba. Quem é ela? Esther Rafael Ferreira de Vasconcelos, filha de João Joubert de Vasconcelos Junior e Ângela Maria Ferreira de Vasconcelos, irmã de Glauco Renan Ferreira de Vasconcelos (Advogado). Vou contar a sua história que nos encanta e nos emociona. Esther nasceu no dia 10 de junho de 1996. Sua gestação desenvolvia-se muito bem, quando sua mãe foi diagnosticada de rubéola aos dois meses. Toda gravidez ocorreu normalmente e assim como o seu nascimento. Foi sempre observada durante os primeiros meses, conforme recomendações médicas. Aos oito meses identificou-se que ela não respondia aos chamados e nem aos comandos.
Diante dessas sintomatologias foram realizadas várias investigações. Em Recife Esther com oito meses realizou o exame BERA (Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico) para verificar a capacidade auditiva. É realizado em centro cirúrgico com sedação de forma profunda, e foi diagnosticada a surdez profunda bilateral. Iniciam-se assim a terapia, fonoaudiológica. Foram viagens e mais viagens para a FUNAD em João Pessoa, Campina Grande e também São Paulo, no Hospital das Clínicas, cujo objetivo era realizar exames para fazer o implante coclear. A equipe médica internacional, lá existente, realizou todos os procedimentos, mas no final da análise chegou à conclusão que mesmo com essa deficiência e limitação acharam os médicos que ela tinha condições de viver em sociedade. Esther estava com 9 anos de idade. Voltaram para Monteiro e continuaram os tratamentos, acompanhamentos, terapias, tanto em João Pessoa, como em Campina Grande, e também na cidade em que residiam. A infância de Esther ocorreu como a de toda criança normal. A família e os professores na escola a tratavam da mesma maneira. Diz sua mãe: “ela desde pequena nunca quis se sentir inferior aos demais, procurava ter amigas e conviver com outras crianças apesar de suas limitações. Uma coisa que se destaca é o tratamento dos familiares nivelando-a como normal no trato destinado às crianças da família, sem nenhuma distinção ou diferença”.
Acrescenta ainda: “O processo educativo desenvolveu-se com dificuldades, isto porque representava um desafio para os pais e professores-educadores diante do novo e do desconhecimento de como lidar com o problema.” Nessa época, o sistema de ensino não tinha adotado a inclusão nos currículos escolares. Conta sua genitora que às vezes Esther relutava em ir para a escola, isto coincidia quando havia teste de avalição, convertendo-se em constrangimento, porque as provas eram feitas iguais para todos os alunos, sem levar em consideração as limitações de Esther, fazendo-a sentir-se incapaz. Esta situação não retratava a realidade, pois capacidade em Esther não lhe faltava e sim os processos metodológicos do ensino aprendizagem utilizados, que eram mal empregados e inoperantes para as circunstâncias existentes naquela criança. Isto até certo ponto justificava-se pois os docentes não estavam preparados para promover a inclusão do excepcional no sistema educativo e ignoravam procedimentos didáticos pedagógicos especiais para realizarem as avaliações de maneira correta a atender às necessidades dos alunos. Pode-se aquilatar a problemática existente em promover o desenvolvimento do processo ensino aprendizagem, que nesse caso, contou com a participação determinante de Ângela, sua mãe, psicopedagoga, que juntamente com a docente uniram esforços didáticos para que Esther alcançasse o êxito da aprendizagem.
A situação, realmente, era laboriosa e exigia denodo e dedicação de quem estava no entorno da excepcional. Constata-se que a Educação Inclusiva começou a fundamentar-se a partir da Conferência Mundial de Educação Especial realizada em Salamanca – Espanha, em 1994, e no Brasil, implantada em 2000, como uma resposta política para situações segregacionistas e passou a integrar a lei de Diretrizes e Bases Educacionais do Brasil, que, em seu art. 58, § 1º, diz que “sempre que for necessário, haverá serviços de apoio especializado para atender às necessidades especiais”. Por exemplo, em uma classe regular com inclusão pode haver um aluno surdo que necessite de um professor de apoio que saiba LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) para auxiliá-lo em todas as disciplinas. Esther prosseguiu os estudos com êxito, prestou prova seletiva para o IFPB, onde cursou o ensino médio, logo em seguida submeteu-se ao processo seletivo de vestibular na mesma instituição, para o curso Analise de Desenvolvimento de Sistema, tendo logrado sucesso. Quando a UFPB abriu o Curso de Letras, com especialidade em libras, submeteu-se ao exame de vestibular, e hoje, está em fase de conclusão.
Esther cresceu, fez várias pesquisas sobre o implante coclear e quis submeter-se à cirurgia. Essa tecnologia foi criada na década de 1950, pelos médicos franceses André Djourno e CHarle Eyriés, em que descreveram pela primeira vez os efeitos da estimulação do nervo auditivo em um indivíduo surdo, com a colocação de fio metálico no nervo auditivo do paciente submetido à cirurgia do nervo facial. No Brasil, o primeiro implante foi em 1977. Atualmente, estima-se que existam 100 mil pacientes em todo mundo. É um aparelho implantado cirurgicamente na orelha que tem a função de estimular o nervo auditivo e recriar as sensações sonoras. O médico que realizou a cirurgia foi DR. Marcos Franca Pereira (Otorrinolaringologista). E a fonoaudióloga que acompanhou todo o tratamento foi Cristianne Baracuhy. E aos quinze anos, após o implante obteve resultados positivos, apresentando desenvolvimento e melhoras auditivas significativas, o que veio a confirmar os desejos de Esther sobre ela mesma no caminho de ultrapassar, ainda mais, os entraves que se apresentavam.
Observa-se, diante destes acontecimentos, que o ser humano não tem limite e este está mais na determinação do objetivo que se deseja alcançar na vida. Para o caso em lide e chegar até onde Esther chegou foram construídos momentos de grande aprendizado, auto desafios que lhe permitiram evoluir e encontrar a forma vitoriosa almejada. Observa-se que nunca se estagna e há conformação no que já foi alcançado. Pelo contrário, há a ambição de se alçar ainda mais para atingir outros alvos. Esther em momento nenhum se fez de vítima e coitadinha. Com ajuda da mãe e por si percebeu que tinha potencial para sair da situação e alterar a sua postura diante da vida.
Esther é um exemplo a ser seguido. Canalizou seus propósitos para transformar a sua história que, segundo as previsões, era sombria. Ressalte-se aqui a ajuda incansável de Ângela em acreditar, desde o primeiro momento, no potencial de superação da filha, e com essa fé acompanhou-a em todos os instantes, falando, agindo e lutando por ela. Fez vários cursos dentro da especialidade, inclusive o de LIBRAS, para melhor comunicar-se entender e atuar, não permitindo que a tratassem ao nível da mediocridade. Esteve ao seu lado vinte e quatro horas ao dia. Como psicopedagoga e consciente da problemática abandonou tudo, pois era proprietária de uma escolinha de alfabetização, manteve-se como professora do município, para dedicar-se exclusivamente a sua filha.
Esse relato dá-nos oportunidade para repensarmos o modo de viver! O que esperamos construir em nossas vidas? O que desejamos? Estamos sonhando, acreditando no potencial em nós mesmos? A escolha cabe a cada um. Temos consciência do que somos hoje (autoconhecimento). O passado fica para a história e o futuro a ser alterado no contexto pessoal e profissional com determinação.
Hoje, Esther é professora contratada pelo município na área de LIBRAS, o que desempenha com muita altivez. Casou-se com Ramon, jovem muito bonito, também surdo e mudo, no mês de maio próximo passado, em simples cerimonia por conta da pandemia. Administra suas contas bancárias e realiza outras transações comerciais, vivendo completamente independente. Sonha viajar e fazer curso no exterior, logo que conclua o seu curso de Letras com especialidade em LIBRAS. Notabiliza-se como excelente professora, maquiadora e estilista, o que faz para distrair nas horas vagas.
Esther tem todos os méritos. É uma genialidade. Mas se não fosse o apoio de seus pais, o devotamento da família, a dedicação e entrega de uma mãe empenhada, abnegada e sobretudo o amor incondicional empregado no desenvolvimento da construção de sua formação, renunciando a si própria para participar da construção da vida da filha, temos certeza que os resultados obtidos seriam outros. Isto mostra que não existe limite para o ser humano quando há oportunidade, determinação e ajuda. Ângela hoje é professora especializada em educação de excepcionais, beneficiando outras crianças que, como sua filha, necessitavam de assistência exclusiva e individualizada. Parabéns é pouco para quem dá muito. Quem de nós não desejaría uma mãe como a de Esther?
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
TURISMO - 19/12/2024