João Pessoa, 30 de junho de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Educar e aprender não são exatamente a mesma coisa.
Aprender é um verbo de ação cujo significado tem seus limites restritos e adequados a circunstâncias de ordem eminentemente práticas. Aprendem-se certos meios para se chegar a certos fins; dominam-se certas regras e certos instrumentos para se obterem certos resultados e certos objetivos. Fechada esta equação, a aprendizagem está concluída, e satisfeita, portanto, a plenitude de suas operações. Diria mesmo que a aprendizagem circula no âmbito da eficácia, da eficiência e da efetividade, ou seja, na esfera fechada das habilidades humanas e das atividades técnicas, industriais e econômicas. A aprendizagem tem limite; é objetiva, concreta, finita.
Educar, por sua vez, ultrapassa, de muito, a lógica racional do verbo aprender. Do latim ex ducere, educar etimologicamente significa sair de si, movimentar-se para fora, mudar de posição, de lugar, de ângulo, enfim, olhar e apalpar as coisas e as experiências para além do círculo estreito de sua visão particular, dentro de uma circunstância e de um contexto ao mesmo tempo fechado e aberto, condicionado e impreciso, real e simbólico. Diferente de aprender, educar é um processo infinito, imprevisível e inacabado.
Quando Fernando Pessoa (foto), através de sua voz poética, enuncia que “Navegar é preciso / viver não é preciso”, sinaliza, direta ou indiretamente, para a diferença que estou tentando estabelecer aqui, senão vejamos: posso aprender a navegar, na medida em que navegar exige o controle de alguns recursos e de alguns artefatos, o domínio de algumas regras, o imperativo de algumas manobras experimentais que me levarão a direcionar plenamente os destinos e as distâncias do leme. Navegar é preciso, isto é, exato, lógico, previsível e implica numa ação inteiramente de acordo com o princípio científico da causalidade. Isso me leva àquilo, desde que eu siga os passos adequados e realize as operações necessárias.
Ora, viver, não. Viver não é preciso, isto é, não é exato, não é lógico, não é previsível e, segundo Guimarães Rosa, na expressão de “Riobaldo”, é perigoso, muito perigoso! Dito de outra forma: se navegar se correlaciona com aprender, viver pode perfeitamente transigir com educar. Porque assim como a vida, a educação mergulha numa dialética inesgotável onde o ser humano se movimenta em múltiplas direções e se exerce para além das meras tarefas pragmáticas.
Eu posso, portanto, ensinar algo a alguém, mas a ninguém eu posso educar. Educar, além de consistir numa experiência plural e indefinível, encerra, na sua misteriosa tessitura, alguma coisa de intransferível e de exclusivamente pessoal. Educar é um deslocamento feito do interior para o exterior, alguma coisa que me faço e que me alcança naquilo que não sou e sou; não um ser isolado, pois isto é pura ficção, porém, um ser político, um ser moral. A bem dizer, uma inter-relação, uma inter-subjetividade.
Educar, por conseguinte, ocorre numa zona ambígua, numa faixa provisória, num espaço precário, num tempo morto e inquantificável, ou, como diz poeticamente o amigo de Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, numa espécie de didática pelo avesso: “Eu não sou eu nem sou o outro, / Sou qualquer coisa de intermédio: / Pilar da ponte do tédio / Que vai de mim para o outro”.
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OPINIÃO - 22/11/2024