João Pessoa, 06 de julho de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
“Tudo é rio” é um livro amadurecido e não parece ser a estreia da escritora mineira, Carla Madeira. Não é mesmo. O romance ocupa todas as correntezas, as mais diversas incertezas, os rios mais caudalosos, rios, açudes e riachos que passam em nossas vidas – as quedas d’água e, mesmo à deriva, estamos a remar. “Tudo é rio” (com selo da Editora Record) é leitura obrigatória.
Um livro delicado e cruel que mostra a nudez, os seios macios e imaginários bicos cor de rosas, das personagens Dalva e Lucy, que vão sendo mostrados pela poesia em prosa.
Um romance que une Dalva e Venâncio, e logo cedo, ou bem antes, nos aponta que tudo se transforma e se transformará. Até o miolo, o leitor é mastigado com o silencio e as perdas de um amor que não necessitava de um ciúme tão deletério do marido Venâncio. São nossos afogamentos.
A prostituta Lucy, é tudo que podia ter de bom no livro. porque acelera a tara da leitura, uma personagem livre, para mostrar que o livro é rico, ao introduzir uma puta bonita, que termina entrando na vida de toda cidade. Mas isso não é spoiler, talvez a cena pós tragédia. Qual? Aliás, Lucy é o próprio cataclismo no formato de gente. Deixa Lucy quieta, mesmo sendo impossível não espiar ela.
A obra de Carla Madeira, com quem conversei pelo telefone, é um tratado do que existe e resiste no Brasil mais profundo, sagas entrelaçadas, coisas de Deus e o diabo, reencontros e destinos que cruzam os caminhos num mar de esperanças e glórias, mesmo que tardias.
Quem assina a orelha do livro é a escritora Martha Medeiros, que chama o romance de Carla de uma obra-prima, “e não há exagero no que afirmo”. Sim, é uma obra prima nossa, que estica descobertas, nossas falhas, daqueles livros que somam e refazem vidas.
Li voltando aos capítulos, para me encher de ternura e tesão, na busca dos ensinamentos, daqueles que não vivem como nossos pais, mas no espelho do rio estamos diante das tais fotografias da canção de Caetano Veloso. Estamos de pé, na Terra de ninguém.
A cada instante algo desconhecido e no instante seguinte, algo já vivido, levado pelo rio, esse rio negro, o rio podre, o rio Sumaré, o rio de nossas lágrimas onde existe vida, embora estejamos todos nas cidades sendo empurrados por uma legião que não conhece o andar da afluência, sequer, os rios como uma necessidade principal do banho de Narciso.
Não há cenários em ruínas na obra de Carla Madeira, nem água benta, o que há é o que tem quer ser, em cada linha o sabor da frase na carne, a escuridão na luz, um afogamento que nos mata, um batismo que nos renova, uma vida que vem das águas eternas.
Na metáfora desse rio, quando minha mãe dizia que águas passadas não movem moinhos, acontece exatamente ao contrário, as águas passadas em “Tudo é rio” voltam a nos banhar no mesmo rio, porque águas lavam tudo, do sexo ao vestido da noiva.
Não esquecerei do menino Vicente, que tem o nome do meu pai, nem seu irmão João, (João Horácio, é personagem do livro que estou escrevendo e não sei se vou conseguir terminar).
Não esquecerei dos milagres de Francisca de Assis, a mulher das humanidades.
Leiam “Tudo é rio” e permitam que as águas salvem nossas almas.
Kapetadas
1 – Vejo muitas máscaras nas calçadas. Essa turma antimáscara sabe que a gente ainda precisa usar máscara por desleixo deles.
2 – Tá tão frio, que eu estou procurando briga só para poder me aquecer no calor da discussão.
3 – Som na caixa: “Foi um rio que passou em minha vida/E meu coração se deixou levar”, Paulinho da Viola
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TURISMO - 19/12/2024