João Pessoa, 07 de julho de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
“{…} desta cidade ninguém parte, pois a Campina só se chega / sempre. (…) Todas as viagens do mundo / terminam no Alto do Serrotão”. Entre tantos outros de sua lavra fecunda, aprecio estes versos de “Barcelona, Borborema”, não importa se não estejam nos conformes de uma idealizada e metafísica função poética da linguagem, tramada por Roman Jakobson como se fosse a pedra filosofal da literariedade. Ora, a função poética não existe no vazio da mensagem parada nela mesma, mas é fruto de uma relação mágica entre leitor e texto, a qual comparecem, tensos e irmanados, os elementos orgânicos dos signos verbais e a matéria difusa e enigmática que pulsa nos corações humanos.
É daí, quero crer, que se esgarça, na pele delicada das palavras, o fio intenso e inefável da poesia, seja pelas luzes insólitas do significante, quando o poema é, de verdade, um poema, seja pelo estranho e surpreendente do significado, quando os sinais do significado alargam a experiência perceptual e vivida.
Ora, sinto isto ao ler e reler diversas paisagens de sua geografia poética. Já em “As tábuas do sol”, num pequeno poema dedicado a Zé Ramalho, você fala da “vida que escorre das mãos, /penetra o osso do século, / sucede-se nas sete cores do arco-íris”, e, logo em seguida, num lampejo de síntese fulminante, no texto, “Grafite”, este verso único, direto e doloroso, se pensarmos no sufoco do momento histórico: “No muro importam o portão e o luto da letra”. De “Solos do silêncio”, pego, ao acaso, este dístico, de “Vamos beber a tarde?”: “Nada como uma sinfonia de Beethoven, /um lápis, um papel, um copo, uma tarde”, assim como este giro metalinguístico, em “Gerard Manley Hopkins & Octavio Paz”: “{…} Poesia é temperança / (fugir para o deserto, / baixar o colesterol, / cortar peles e sofrer)”. Em “De tabela”, antológico em sua fatura temática e formal, “{…} Sócrates escoiceia a bola / como a perna fosse foice, / alavanca de mover o mundo”, e “Zico doma o jogo / como Stendhal (foto)/ com luto e fúria”.
Poderia citar outras passagens de sua poesia avessa à prisão de ventre dos minimalistas conceituais que se comprazem com o desenho canhestro de seus experimentos gráficos, cediços e estéreis, por onde a carne da vida passa ao largo, sem manchar a cambraia branca e virgem do papel. Com você, as coisas são diferentes. Se o tecido anônimo das práticas cotidianas, a marca registrada de um léxico impuro e autêntico, as fontes populares e eruditas, o domínio da linguagem e o destemor das solicitações subjetivas como que devassam sua trajetória lírica, acredito, meu caro José Nêumanne Pinto, que os dois poemas inéditos que me fizesse ler, na telinha requintada do celular, num daqueles rituais anfractuosos e gongóricos de nossa amada APL, afinam e intensificam a melodia forte e incisiva que modela as notas e harmonias dos seus versos.
Ao telurismo que subjaz à tensão nuclear de sua poesia, à sensibilidade que a fratura na pluralidade de seus apelos e ao lavor tentacular e mítico que a singulariza, estes dois poemas, “Antes de atravessar” e “Medeia aqui e agora”, com seu vigor sanguíneo, sua semântica selvagem, seu visgo visceral compactando os vocábulos, seu fervor dionisíaco, em que pese todo o tom apolíneo do segundo, me dão a convicção de que você é um poeta. Um poeta que possui, na expressão iluminada de Jorge de Lima, “milhões de antenas / distribuídas por todos os seus poros / aonde aportam do mundo suas penas”. Estes poetas (e você é um deles), ainda segundo o bardo alagoano, “São aqueles que gritam quando tudo cala, / são os que vibram de si estranhos coros / para a fala de Deus que é a sua fala”.
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OPINIÃO - 22/11/2024