João Pessoa, 07 de julho de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
A professora Erika Marques, Reitora do Centro Universitário Uniesp, é doutora em Psicologia Social - UFPB, Mestre em Desenvolvimento Humano - UFPB, tem MBA em Gestão Universitária pela Georgetown College e é especialista em Planejamento, Implementação e Gestão em Educação à Distância pela UFF. @profaerikamarques

Não se deixe “enchatecer”…

Comentários: 0
publicado em 07/07/2021 ás 07h42

Crescer rápido, anseiam as crianças e adolescentes que chegam a aumentar a idade e se sentem envaidecidos quando alguém põe por suas características físicas, mais uns anos na sua conta. Mal sabem o que lhes espera na realidade da vida adulta, como contas a pagar, compromissos, planejamentos infinitos, foco, prazos, e uma infinidade de conteúdos que nos consomem e nos transformam. Falando do meu jeito direto (e muitas vezes certeiro), a vida adulta nos “enchatece”. E por favor, leitores adultos, não se chateiem que explicarei.

Um dia a minha filha Nicole me pediu para tomar banho de chuva com os amigos do prédio (já era noite) e eu, imediatamente na minha conduta de mãe disse: claro que não, vai se resfriar, já é noite e que coisa mais sem sentido! De repente, me vi na idade dela, cheia de sonhos e sem as amarras e compromissos da vida adulta, olhei quase que com uma inveja boa com vontade de dizer, vai e me leva que também quero! E disse: vá e divirta-se! Mas como não poderia deixar meu papel de mãe, retruquei “mas leve toalha e não molhe a casa quando chegar”! Depois de alguns minutos ela me manda um vídeo com os amigos dançando e cantando na chuva no melhor estilo do filme Singin’ in the Rain. Me emocionei e fui dormir feliz por ter deixado ela viver esse momento…

Alguns querendo “crescer” e passar de fase como se passa nos seus jogos, e nós adultos, olhando para eles com o desejo de voltarmos no tempo e podermos ter o colorido dessa fase. Sem querer explicar muito, nem teorizar, podemos dizer que a vida adulta se caracteriza pela chegada da responsabilidade, e sabemos que ela vem com tudo. O ingresso no mundo do trabalho e suas consequências, a vida ao compor uma família, os compromissos e todo aquele pacote da idade adulta, incluindo todos os demais bônus, que você nem pediu, mas vieram junto. Esse mar de responsabilidade nos cega de muita espontaneidade e beleza que nos oferece a vida em suas duas primeiras décadas, como se felicidade tivesse prazo de validade.

É como se a nossa necessidade em parecer responsável nos privasse de coisas que antes podiam celebrar a nossa espontaneidade e que engavetamos em uma pasta junto com os nossos documentos, aquela pasta que quase nunca precisamos dela, talvez uma vez por ano ou até menos, ela fica lá, esquecida. Essa pasta pode ser retirada e usada quando cantamos no chuveiro, tomamos um banho de chuva, falamos bobagens e rimos de nós mesmos, quando nos melamos ao tomar um sorvete ou ao comer um cachorro-quente e passamos a ver que isso não nos torna menos adultos, simplesmente nos torna mais felizes…

Reiterando minha teoria do “enchatecimento” (acho que vou lançar um livro com esse título), e dizendo que na nossa vida produtiva é onde mora o perigo de guardarmos e esquecermos lá a pasta das bobagens (ou da leveza), tenho um personagem incrível que é o meu amado Miltinho, que se foi e que faria 92 anos hoje. Na realidade não tenho como descrever e me emociono ao lembrar todo amor e alegria que ele me proporcionou com o seu jeito irreverente de ser, ao me ver gritava um: I love you! Ao cantar, bebendo sua cachacinha ou vinho, falava o que queria e brincava com as pessoas da sua forma. Quando ele estava comportado soltava um: tô nem ai (muitas vezes cantando) e quando estava mais mal criado (mas sempre em tom de brincadeira), soltava um: quero que se lasque…

Temos todos os dias ao nosso lado, nossos Miltons e Nicoles, e muitas vezes fazemos o papel daquele que poda, que diz sempre um “se endireite” quando a alegria ou a espontaneidade deles aflora… Que saibamos diferenciar o que precisa ser podado, mas sem esquecer do principal, entender que temos muito a aprender (ou relembrar) com eles. Que a nossa pasta das bobagens e da alegria não fique em uma prateleira alta e esquecida, mas fique sempre à nossa mão, e que seja usada sempre para manutenção da nossa felicidade, pois a vida é um sopro, daqueles que giram cataventos.

Cante no banheiro, tome banho de chuva, pise em uma poça de lama, ria de si mesmo e fale bobagens, exerça esses antídotos para o enchatecimento crônico que nos ronda com a vida adulta… Se funciona? Não sei, mas acho que só as tentativas já valerão a pena…

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB