João Pessoa, 14 de julho de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Quadros toscamente emoldurados e expostos em paredes rudes. Todos do Flamengo. Alguns lembrando a glória de vários campeonatos. Ao fundo, a rasgada e aberta poesia da bandeira rubro e negra. Flamengo: um time, uma nação, uma religião…, e eu, mais uma vez, na minha Comarca, contemplando as mesmas pedras de sempre, solitárias e agudas, em silenciosa súplica para os céus.
Observo, à distância, a simetria de suas estruturas escarpadas e acompanho os jogadores de sinuca, seduzidos pelo abismo do quadrado verde e pelo roçar das bolas, obedientes e domadas pela lógica do jogo, que também integra a lógica da vida. Cada partida, com seu ritual; cada contendor, com sua ciência, e o jogo e a vida se misturam e se fazem um tecido só naquele instante em que perder talvez possa ser “tocar alguma coisa mais além da vitória”, para me valer do poeta.
Lembro-me dos versos de Lawrence Ferlinghetti, no poema “Autobiografia”: “A vida que levo é muito sossegada./Passo os dias no café do Mike/a admirar os campeões/do Grupo Dante de Bilhar/e os viciados dos matraquilhos”.
Não, eu não passo os dias no Bar de Ronaldo. Seus jogadores de sinuca não pertencem a nenhuma agremiação, e a vida que levo, principalmente nesse instante, nesse sábado solar e sufocante, só é sossegada por fora, no aconchego e à sombra das serras pardas que rodeiam minha magra terra. Na paisagem de dentro, também seca, também áspera, nada de sossego. Tudo é tumulto na ramagem das recordações dos meus, que ainda estão comigo, e dos que já se foram.
Um bar aqui e outro ali; uma partida de sinuca, aqui e oura ali. Fulano, sicrano, beltrano, onde estão agora? Manuel Bandeira diria: “Estão todos dormindo, profundamente”. As criaturas passam, as coisas ficam, sobretudo as coisas estrumadas pelo sangue da terra. Somente a terra dura para sempre. Mas o que é o para sempre? O para sempre é agora, nessa mesa, nesse Bar, em plena comunhão com as ordens secretas do tempo e com os sigilos das raízes mais profundas. Essas que estão dormindo profundamente no leito inesgotável da memória.
Penso cá comigo, olhando lentamente aquele homem que vai pela rua bem devagar, aquele homem que não conheço, um homem qualquer, sem metafísica. Penso: Ronaldo é um ser humano como tantos outros, anônimo na dor e no sofrimento, anônimo na alegria e na esperança. Ronaldo e seu aconchego. Ronaldo e seu Flamengo. Ronaldo e seu Bar! Um Bar como tantos outros. Simples, espaçoso, sem hierarquias e cheio de homens. Homens cheios ou vazios, isto não importa. Isto fica por conta do poeta Vinícius de Moraes.
Um Bar como tantos outros bares. Bares que qualquer dia desses podem fechar e vão fechar, mas que nunca acabarão. Principalmente quando se tem, seja na memória seja na imaginação, uma cidade, uma paisagem e uma grei que não teme os chamados da vida, as armadilhas do jogo e os enigmas do álcool.
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TURISMO - 19/12/2024