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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

A felicidade tem pernas

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publicado em 14/08/2021 ás 08h51
atualizado em 14/08/2021 ás 08h56

Eu vi a felicidade ontem. Ela tem pernas. Fui comprar passas de caju em Tambaú e na calçada do mercado vi uma mulher de pernas grossas atravessando a rua, a sentir de novo os ossos. Fiquei a pensar na felicidade de Capitu, do romance de Machado de Assis, “Dom Casmurro”. Bentinho que o diga!

A mulher das pernas lindas comia um pastel de carne com açúcar que podia estar degustando uma manga rosa, mas uma manga em via pública – não fica bem na fotografia.

A felicidade pareceu conter poucos segundos, mas como a felicidade não depende do tempo, continuei a pensar no pastel, sabe-se lá porquê. A mulher andava sobre a felicidade.

Atravessando a diagonal logo vi que a felicidade havia passado. Lembrei da Madame Bovary de Gustave Flaubert, que não parecia feliz de imediato. Ou o tempo todo.

Um homem sem sonhos, passeava com sua cadela pequena, praticamente insensível aos transeuntes, mas muito apaixonado pelo animal com quem falava num idioma caseiro e ambos estavam felizes, isso é o que importa: dialogar com seu animal em via pública.

Perguntei se o rapaz que vende filme, por acaso ele tinha “Instinto Selvagem”, (de Paul Verhoeven), que em 2022, fará trinta anos. Nunca vi. Li no texto do jornalista Silvio Osias sobre a cena da cruzada de pernas de Sharon Stone, (ela sem calcinha) no brilho do sexo com Michel Douglas. Aí lembrei das pernas da felicidade.

Sai dali rapidamente e ouvi o cara perguntando: “Esse filme é novo doutor?” Lembrei da canção cruel “Incompatibilidade de Genios” de Aldir Blanc e João Bosco, que diz assim: “Dotô, jogava o Flamengo, eu queria escutar/Chegou, mudou de estação, começou a cantar/Tem mais, um cisco no olho, ela em vez de assoprar/Sem dó, falou que por ela eu podia cegar”. Isso é uma infelicidade, mas uma vez Flamengo, Flamengo até morrer.

Com os óculos escuros vi duas mulheres de mãos dadas na beira mar, parecia mãe e filha – qualquer maneira de amar vale a pena. Aí me veio a lembrança da felicidade de Guimarães Rosa, quando construiu a personagem Diadorim para o romance “Grande Sertão: Veredas”
E ainda tem aquela coisa que ele disse “Felicidade se acha é em horinhas de descuido”.

O feliz para sempre é que não existe, meu caro Rosa.

Do meu ponto de cegueira, as escadas que estão a dançar, os degraus que podem ser perigosos, nada tem a ver com a felicidade. Até dizem que passar embaixo de escadas dá azar.

São muitos passos a se dar, a tentar sobreviver. Concentra-se, uma perna, depois a outra sem a garantia de chegar ao fim. Às vezes a gente foge da felicidade, outras vezes a gente corre atrás dela.

A escada traz vertigem. Nunca felicidade.

Há muitos dias ouvimos dizer que se vive com medo de tudo, embora alguns disfarcem mal.

Estava chegando em casa, vi na esquina da avenida Marcionila da Conceição, um casal de idoso juntinhos. Quantas vezes me imaginei assim…

Voltemos à realidade. Lembrei de Tarcísio Meira e Glória Menezes. Um era a glória do outro, um amor correspondido nas cenas de novelas, mas eles eram marido e mulher. Uma felicidade sem tamanho.

A felicidade tem pernas. Eu vi.

Kapetadas

1 – Tarcísio e Glória. Ainda bem que os vídeos são eternos.

2 – O cachorro quente tinha que ser o Falcão, só pra ele cantar no final “i me hot dog no”

3 – Som na caixa: “Menina, amanhã de manhã/Quando a gente acordar/Quero te dizer que a felicidade vai/Desabar sobre os homens, vai, desabar sobre os homens”, Tom Zé

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