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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

A lavoura das palavras

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publicado em 18/08/2021 ás 07h35

Ontem fui arar o roçado das palavras à cata de semear a lavoura das ideias, mas não plantei nem colhi nada, pois o tempo é de seca nos cariris da criação. Se a sintaxe é de pedras, poeira e cinza, a semântica, por sua vez, é irada e agreste como o cacto roxo apunhalando o deserto, com seus espinhos indomáveis.

Esforço-me como um condenado, mas não consigo tatear nem mesmo a mais rasa cacimba dessa morfologia catingueira, e me vejo perdido no meio desse mundo de Deus, decepado pelos hieróglifos eriçados dos seus vastos idiomas.

Com a enxada tento cultivar as letras, as sílabas, os vocábulos; o facão me auxilia no aparar dos excessos fraseológicos, recheados de urtigas, aroeiras, imburanas, juremas e marmeleiros, com suas almas sombrias e penitentes.

Nem mesmo os pés sagrados do lendário pai Sumé, do poema de Vanildo Brito, conseguem me levar ao encantatório sítio dos arbustos pálidos e dos pardos bichos que habitam a loca dos parágrafos e se escondem no oco infinito de cada página.

Farei de um tudo, no entanto, para não perder a riqueza contida nessa lavoura imaginária dos domingos à tarde no remanso da rede, pois nenhuma tela miraculosa de tecnologia nenhuma alcança a orgástica magia dos odores indizíveis do papel, que veio da madeira, que veio da terra, para nos colocar ecologicamente em convívio com os seres orgânicos e inorgânicos da biosfera, em suas léguas e latitudes sem fronteira.

Que se faça o verbo, assim do nada da escassez inspiratória, uma oração sequer aplaine os costados íngremes dos tabuleiros do coração e transmude os vazios do pensamento numa tempestade de imagens que possa estrumar os campos carcomidos e fazer brotar serpentes de água nas membranas miúdas das pedras solitárias e dos magros barreiros quase invisíveis.
É chegada a hora das raízes, dos radicais, das desinências e outros pormenores interiores se prepararem para receber o húmus e a seiva das metáforas, embora a safra dos fonemas, dos morfemas e dos semantemas não seja suficiente para fertilizar os hectares devolutos desse enorme latifúndio.

Há, sim, uma coivara (foto) latejando no meu destino, e só a palavra, com sua perene e renovável lavoura, esta lavoura azul do sonho, como diria um poeta, pode me salvar, a mim e aos outros, da catástrofe cósmica inevitável.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB