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Em junho de 1812, o exército de Napoleão Bonaparte invadiu a Rússia. No início de julho do mesmo ano, grassavam, em Moscou, rumores de que a situação não era favorável ao exército do Imperador Alexander I.
Nesse contexto, pintado em vivas cores por Liev Tosltói (foto) (“Guerra e Paz”, Volume II), os comerciantes e a nobreza russa foram instados a contribuir diretamente para o custeio de milícias responsáveis pela defesa do território, que, àquela altura, vinha sendo gradualmente ocupado pelo Grande Armée. No dia quinze de julho do fatídico ano, membros da alta nobreza se reuniram no Palácio Slobóda para definir como auxiliariam o Imperador na missão de proteger a pátria.
O mero anúncio da presença do Imperador Alexander Romanov já alterava os ânimos dos nobres, tornando-os mais propensos a abrir os cofres em auxílio do soberano. A expectativa dos nobres era de que os comerciantes contribuíssem com milhões de rublos para a Guerra Patriótica. Presente à reunião, o conde Pierre Bezúkhov proferira discurso excessivamente constitucionalista e se arrependera logo em seguida. Determinado a demonstrar que o seu compromisso com o Imperador era mais firme do que o dos demais, o conde prometeu fornecer mil homens e seu custeio, decisão que se mostrou demasiadamente onerosa ao seu patrimônio.
Andrew Campbell, Jo Whitehead e Sydney Finkestein, em artigo da Harvard Business Review entitulado “Por que bons líderes tomam decisões ruins”, explicam que as decisões são tomadas a partir de dois processos inconscientes que os neurocientistas denominam reconhecimento de padrões e associação emocional. Aplica-se o reconhecimento de padrões, por exemplo, quando o gesto, ao decidir sobre a contratação ou não de um novo colaborador, busca semelhanças e diferenças em relação às experiências e aos julgamentos anteriores, contemplando acertos e erros da sua vivência profissional.
A associação emocional, por sua vez, é descrita como o processo pelo qual as informações emocionais se ligam a pensamentos e experiências que povoam a memória do tomador de decisões. Se, por exemplo, o gestor tiver que decidir sobre a conveniência em contratar um grande amigo de infância para um cargo diretamente subordinado a si, ele pode reconhecer semelhanças com uma situação em que ele mesmo ou um outro colega tenha procedido com a contratação. Caso tenha sido uma experiência negativa, a associação emocional (recordação dos desgastes emocionais vivenciados, por exemplo) pode reforçar a convicção de que não convém contratar alguém tão próximo.
Trata-se, como indicado acima, de processos predominantemente inconscientes. Por isso mesmo, como fica claro a partir da narrativa da decisão impulsiva do conde Bezúkhov, as decisões estão sujeitas às distorções imanentes à associação emocional – pressão emocional em virtude da presença do Imperador, ego, convenções sociais etc. Os três autores acima mencionados apontam que os interesses próprios, as ligações emocionais e as memórias enganosas atuam constantemente na distorção da associação emocional, razão pela qual se faz necessária uma atenção especial em torno dos elementos acima mencionados, que os autores denominam bandeiras vermelhas (sinal de alerta).
A questão, ao cabo, consiste em evitar decisões desastrosas como a do conde russo da obra de Tolstói. Os autores do artigo apontam uma série de práticas que podem colaborar para diminuir a quantidade de decisões distorcidas por vieses emocionais inconscientes. Primeiramente, convém estabelecer formas institucionalizadas para identificar as ditas bandeiras vermelhas ou fontes de vieses – interesses próprios, ligações emocionais e memórias enganosas.
Para cada decisão estratégica, sobretudo em relação àquelas que repousam na responsabilidade apenas de um gestor, faz-se necessário averiguar se algum dos três elementos se faz presente. Identificado algum sinal de alerta, pode ser conveniente pedir a opinião de outra pessoa, setor ou consultor que não padeça dos mesmos vieses do líder encarregado da decisão. Tal medida sói angariar novas análises, experiências ou perspectivas para ampliar o horizonte do tomador de decisões.
Ao lado das medidas acima, a organização deve criar mecanismos para que o primeiro impulso decisório – de cunho predominantemente emocional – seja revisitado e, possivelmente, revisado pela mesma ou por outras instâncias, como comitês, conselhos, consultores externos etc. Todas essas medidas favorecem a racionalização do processo decisório, na medida em que trazem explicitamente para o plano da reflexão aquilo que repousava predominantemente no inconsciente.
No plano atual da educação superior da Livre Iniciativa, o nível estratégico da gestão acadêmica se depara com várias possibilidades: ter cautela, ser mais ousado, retrair-se em termos de infraestrutura física, expandir para outras praças, investir na educação a distância, fazer da educação presencial um diferencial competitivo, contratar mais em determinadas áreas etc. Nesse contexto, o acréscimo de uma camada de racionalização, nos moldes acima bosquejados, parece ser o caminho mais acertado para preservar a existência das instituições de educação superior particulares.
Em jeito de arremate, a decisão impulsiva do personagem de Tolstói suscita uma reflexão em torno do papel da emoção no processo decisório das organizações. O cenário do mercado da educação superior da atualidade impele as instituições a incrementarem os respectivos processos decisórios com práticas que garantam mais racionalidade, sobretudo no nível estratégico.
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VÍDEO - 14/11/2024