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Magistrado, colaborador do Diário de Pernambuco, leitor semiótico, vivendo num mundo de discos, livros e livre pensar. E-mail: [email protected]

Literatura minimalista

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publicado em 02/09/2021 ás 07h30

Às vezes sofremos ao perceber que não viveremos o suficiente para lermos todos os livros que gostaríamos. Sim, livros são escritos e publicados numa escala industrial, por isso que buscamos selecionar criteriosamente o que vamos ler. Muitos se perguntam se realmente era necessário Victor Hugo (foto) escrever Os Miseráveis com tantas páginas e se Leon Tolstoi poderia ter reduzido o seu Guerra e Paz a bem menos da metade. Os chamados “tijolões” são melhores que os livros “fininhos”? Impressionam pela imponência de seu volume? Claro que não.

A chamada literatura minimalista já produziu textos de excelente qualidade  e vem conquistando muitos leitores. Aqui no Brasil podemos destacar a escritora carioca Heloisa Seixas e o gaúcho João Gilberto Noll, ambos com seus contos ou romances mínimos publicados durante muito tempo na  grande imprensa.

Passo agora a transcrever textos de ambos os escritores, a começar por “A marca da solidão”, de Heloisa Seixas: “Deitado de bruços, sobre as pedras quentes do chão de paralelepípedos, o menino espia. Tem os braços dobrados e a testa pousada sobre eles, seu rosto formando uma tenda de penumbra na tarde quente. Observa as ranhuras entre uma pedra e outra. Há, dentro de cada uma delas, um diminuto caminho da terra, com pedrinhas e tufos minúsculos de musgos, formando pequenas plantas, ínfimos bonsais só visíveis aos olhos de quem é capaz de parar de viver para, apenas ver. Quando se tem a marca da solidão na alma, o mundo cabe numa fresta.”

Que texto sublime, belo. Precisava se estender mais?

Agora, um “romance mínimo” de João Gilberto Noll:  “Ele continuaria a esperar pela dama que lhe prometera não lembrava bem o quê, um filho talvez. Estava na esquina deserta, com um palito entre os dentes. Examinava agora a lembrança de um envelope passando por debaixo da porta. Sua mão tremia na fresta. Era o próprio compasso de armar a intriga. Mas a cabeça refaz a dama cujo nome lhe foge. Disfarça essa aspiração já dilapidada. Cheira a rua em torno. Qual um cachorro sondando o lugar onde se esvaziará. Prepara-se. Deixa a labirintite passar. Aí se alivia. E acerta o alvo ao pé do poste.”

Em nosso cotidiano reconfigurado, onde o tempo parece sempre ser escasso, esses textos  nos possibilita reflexão consumindo curto lapso temporal na leitura desses belos e pequenos contos e romances.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB