João Pessoa, 21 de setembro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Eu estava lá. O mar estava verde. Não tinha ninguém. Só vi José, achei que era o pai de Jesus. Ele se espichava diante da luz.
O dia era um daqueles que lembrou o 11 de setembro, que abafava qualquer som de alegria. Isso das Torres Gêmeas já faz tanto tempo. Meu filho era um bebê de seis meses.
Vi ou ouvi piar uma gaivota à cata de alimento, mas não tem peixe na maré vazia. Quando a maré encher…
Estacionei a bicicleta na ponta do Seixas, a mais oriental do continente americano e da parte continental do Brasil, que fica a leste da nossa João Pessoa. É lindo ver a imensidão do mar lá do alto.
Nada além. Nem os cães nem as crianças, só a música que sabia sair de um som da minha cabeça. Era “José”, de Caetano Veloso. “Enquanto espero, só comigo e mal comigo, no umbigo do deserto”. O mar é um deserto fértil.
A paisagem parecia dentro de um vaso naquele Atlântico, quando Chico César canta e diz que se atlântica e eu, ao contrário, tão pacifico, imaginando o outro lado daquele lugar que não era o Egito de José, quando fui me banhar no Mar Morto, em Israel.
Mergulhei e fiquei boiando feito criança, habituado a ir buscar o sal e assistir ao fim do sol, quando a terra cora, coragem, coração. Pena que o mar da minha vida não é virado para o oeste.
Eu como a gaivota ensaiando um voo online de aproximação. Eu queria estar apaixonado.
Pensei em Joseph Conrad, o lobo do mar, autor de “O Coração das Trevas”. Depois vi o lobo da estepe a passar, o lobo Haller, o lobo de Hermann Hesse, sua depressão e sua incapacidade de se comunicar. Eu estava a leste.
Eu estava inspirando o ar a querer resíduos de iodo longínquo. Não vem, não veio.
Vestígios de lençóis me devolvem a tranquilidade, que só era possível na casa de mãe e pai. Estou velho. Meu coração é um fogareiro e eu ainda penso na cantoria dos índios.
Não me pareço mais comigo.
Eu estava começando a ganhar outra vida, um lugar nas águas, mas a onda veio e levou meu sonho. Por amor, por adopção, porque sim, porque não.
Cumprimento os inconformados que às vezes conseguem ser alguma luz. Uma mocinha de maiô me encanta mais, do que a menina preta de biquíni amarelo.
Já estava voltando e olhei para o céu, cheio de nuvens engarrafadas, que as pessoas chamam de carneirinhos. Fiquei a fazer figas.
“Não sabes ser feliz, Sr. K”, disse a gaivota na vista de outros pássaros, que me conhecem ou pensam conhecer. Fiquei envergonhado. Quando dei por mim, já estava noutro voo e o pensamento na memória de Lupicínio Rodrigues.
Lá ficou a gaivota imaginária a ensaiar outro voo, como se eu fosse o seu Fernão Capelo Gaivota a chegar em casa e me encher das flores do jardim. Por amor, por um sonho, pela irrealidade, eu queria estar apaixonado.
O mar tem disso, mesmo que ao contrário: os pensamentos em plena ondulação, doideira de adolescente. Espuma na areia. Eu disparo. Eu me excito.
Se outro pescador aparecer na sua rua, não vá dizer meu nome sem ternura.
E lá vou eu e lá vai a gaivota na composição de uma canção.
Outros mil dias por outros mares, virão. Eu vou.
Tudo online, não tem quem aguente, né José?
Kapetadas
1 – Na minha bamba todo mundo é casa…
2 – A melhor maneira de se fingir de louco é dançando tango sozinho.
3 – Som na caixa: “Como as garrafas de náufrago/E as rosas partindo o ar”, João Bosco e Aldir Blanc
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OPINIÃO - 22/11/2024