João Pessoa, 06 de outubro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A morte é um fenômeno natural, uma ocorrência cotidiana, uma experiência da qual ninguém escapa. Há nela, portanto, um princípio de igualdade que se sobrepõe às diferenças e distorções do organismo social que os homens constroem no mecanismo inadiável da sobrevivência.
Em certo sentido, a morte como que recupera, com sua solerte e inesperada presença, o ritmo normal dos acontecimentos dentro daquela lógica estranha que mistura impacto e espanto com aceitação, conformismo e esquecimento.
Morrer é preciso, e a morte possui a sua serventia. Simétrica, exata, perfeita, sublime, a morte está aí, sem distinção nem privilégio, convivendo com cada um na secreta possibilidade do encontro definitivo. Se não morrêssemos, por exemplo, como poderíamos nos definir? Seres eternos?
Creio que a eternidade seria uma chatice, além do que, existe algo na eternidade que parece incompatível com a natureza humana. A eternidade é absoluta, fechada e sem qualquer mensuração em sua misteriosa plenitude. Nem mesmo atinge as fronteiras da vida, precisamente porque a morte não compactua com sua fluidez incessante e inapreensível. Sem esquecermos que a eternidade nos subtrai um elemento essencial enquanto criaturas tecidas com os fios da angústia e da utopia, isto é, o tempo, a história.
A eternidade é anônima, fixa, imutável, imóvel. Uma espécie de substância sem cor nem textura, uma semântica vazia, uma branca sintaxe, como diria um poeta. Daí porque morrer é preciso.
A morte nos conforma diante do tempo e nos imerge nas águas revoltas da história, senhora que é da mobilidade e das mudanças. E não falo, aqui, tão somente da morte dos homens. Tudo morre e tudo deve morrer. Governos, regimes, países, cidades, instituições, projetos, ideias, conhecimentos, num curioso serviço prestado à gramática da própria vida, em seu contínuo fluxo de metamorfoses e transmutações. Quer das coisas, quer das espécies, quer dos sentimentos, quer dos valores.
Não importa se violenta, catastrófica, trágica; não importa se esperada, paulatina, calma; não importa se resolúvel, se anunciada, como na novela de Gabriel Garcia Márquez, ou se feliz, como no romance de Albert Camus. O que importa é que seja a morte, ela mesma, desnuda e autêntica nos artefatos negros de seus enigmas impalpáveis, com sua “mecânica nefasta”, nas palavras de Augusto dos Anjos, porém, redentora; com seu cortejo de dores e sofrimentos, porém, com sua surpreendente dialética renovadora, com seu fértil deslocamento e com sua iluminada condensação.
Para Freud, (foto) “A meta de todas as vidas é a morte”. Pode parecer paradoxal, mas não é. Afinal, como diz o poeta Cassiano Ricardo, no poema “Relógio”: “Desde o dia em que se nasce ∕ já se começa a morrer”. De outra parte, nos lembra Sébastien Chamfort que “Viver é uma doença da qual o sono nos alivia por algumas horas; a morte é o remédio”. Se é remédio, tem, portanto, poder curativo; se cura, é porque a morte é vida. E, se a morte é vida, ora, morrer é preciso.
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TURISMO - 19/12/2024