João Pessoa, 08 de outubro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Tristemente, somos o país dos monumentos e da desmemória. O irônico é que as duas palavras guardam entre si a mesma raiz etimológica. Memória (mĕmŏrĭă) vem de mĕmŏr, “que tem a lembrança”, e monumento (mŏnŭmentum), “tudo o que lembra ou o que perpetua a lembrança”, origina-se do verbo latino mŏnĕo, mŏnēre, com o significado de “fazer pensar, fazer lembrar”. Tais palavras nos remetem ao verbo grego mimnéisko (μιμνῄσκω), cujo sentido é “fazer lembrar”.
Nossa falta de memória é proverbial, o que nos leva direto à má-conservação dos nosso patrimônio histórico-cultural. Já se queixava do nosso pouco zelo pela memória Pero de Magalhães de Gândavo, no “Prólogo ao Leitor” de sua História da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, de 1576:
“E se os antigos portugueses, e ainda os modernos não foram tão pouco afeiçoados à escritura como são, não se perderam tantas antiguidades entre nós, de que agora carecemos, nem houvera tão profundo esquecimento de muitas cousas, em cujo estudo têm muitos homens doutos cansado, e revolvido grande cópia de livro sem as poderem descobrir nem recuperar da maneira que passaram. Daqui vinha aos Gregos e Romanos haverem todas as outras nações por bárbaras, e na verdade com razão lhes podiam dar este nome, pois eram tão pouco solícitos, e cobiçosos de honra que por sua mesma culpa deixavam morrer aquelas cousas que lhes podiam dar nome e fazê-los imortais.”
De lá para cá, se nos sobram a burocracia e a criação de órgãos, que operam como sinecura, falta-nos a ação efetiva em prol do que devemos proteger para a posteridade.
O tema vem-me à memória, sem trocadilhos, por causa de outra característica nossa, não menos proverbial: o cinismo desavergonhado aproveitador de situações. Vejo no noticiário que a cpi (assim mesmo em minúsculas, não merece mais do que isso) da COVID quer erigir um monumento às vítimas da pandemia, o que significa, entre outras coisas, gasto de dinheiro público – os senadores poderiam fazê-lo às suas expensas –, com obra absolutamente desnecessária, a um custo altíssimo nem sempre devidamente explicado, como sói acontecer nesta terra brasilis.
Aproveito, então, o momento para sugerir que, em lugar de mais uma inutilidade onerosa, façamos um monumento grandioso, que se possa ver de muito longe, de preferência com uma chama eterna no seu ápice, às vitimas do desvio de verbas, da aceitação de propinas, das negociatas com o bem público; às vítimas da falta de saneamento básico, de um sistema de saúde que funcione, da inexistência de um programa de educação, que gere oportunidades e pessoas esclarecidas; às vítimas da falta de segurança, de uma rede de transporte decente e da falta de habitação; às vítimas, enfim, de uma visão política distorcida, confundindo uma ação para o bem comum com ações em prol de um partido político; visão que, continuada como se encontra, só tende a beneficiar os mais fortes e os desonestos, gerando cada vez mais injustiças.
Está mais do que na hora de a sociedade se levantar e exigir a reforma ampla e dolorosa, dentro dos rigores da lei, de que necessitamos. Se fizermos isto, poderemos dizer, como Horácio, exegimus monumentum aere perennius – “Levamos a cabo um monumento mais perene do que o bronze”.
É hora, sobretudo, de termos a consciência de que ser cão, de onde vem a palavra cinismo, é intrínseco à natureza instintiva animal; agir desavergonhadamente como cães é da natureza humana.
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TURISMO - 19/12/2024