João Pessoa, 19 de outubro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Estamos tão viciados em discussões monotemáticas, que deixamos de olhar os fatos como eles se nos apresentam. O pior é que nos deixamos manipular por veículos de comunicação, que repetem suas fórmulas há anos, e continuamos caindo nas armadilhas.
Então, vamos lá. Os chamados “realities shows” tem uma fórmula bastante conhecida. As seleções, rigorosas, culminam com entrevistas realizadas por produtores, diretores, apresentadores. Uma penca de gente que desnuda completamente o candidato. E as candidatas também.
Escolhem, em geral, os mais liberais nos costumes. Mas também, os mais impulsivos, polêmicos, os que sejam menos centrados e, por isso, mais susceptíveis a apresentarem comportamentos inesperados. Aos nossos olhos! Aos olhos de quem seleciona, não.
Os realities funcionam como um laboratório. Exatamente, como se faz com ratos. Ao se sentirem privados de determinada coisa, água, por exemplo, ou ao ser exposto a um predador, no caso um gato, vai se verificar as reações comportamentais, e se testar modelos de comportamento.
Ao isolar pessoas, ao privá-las de contato com o mundo real, ao remover os atos rotineiros de alimentação, sexo, afetividade; e submetê-los a disputas, a estimulações para que se digladiem por um pomposo prêmio ao final. Antes, porém, retiram-lhes a possibilidade de cada um representar a si mesmos, porque, em laboratório, reagimos de acordo com as pulsões mais primárias.
Pois bem, chamaram o Nego do Borel para participar de um desses programas. Não por homenagem às etnias prevalentes no Morro do Borel, comunidade incrustada na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Ele foi convidado, provavelmente, por estar publicamente envolvido em disputas, discussões, desagravos com a ex-namorada e com os pais dela.
Os realities preparam festas “all inclusive”, principalmente bebidas, na esperança de que, pessoas embriagadas e em cativeiro, respondam com comportamentos inusitados, para graça dos traços do ibope. Foi bem assim, que o Nego do Borel foi acusado de estuprar a colega de confinamento, Dayane Mello (foto), estando ela em condições de vulnerabilidade. A apresentadora leu, dias depois, uma nota, dizendo que quando a mulher diz não é não. (Espero que os senhores marmanjos já tenham aprendido isso!) Ela disse mais: que quando uma mulher, que tenha bebido disser sim, é não.
Só não disse que o ato, supostamente criminoso, ocorreu num mesmo ambiente em que estão inúmeros personagens do jogo. Também não disse que aquele “experimento” é controlado. Não somente por câmeras, mas por produtores, câmeras man, e uma infinidade de pessoas, 24 horas por dia. Ou seja, deixaram que um crime (se assim for considerado pela justiça) ocorresse, porque era uma situação sexual e que renderia a assistência de milhões de expectadores voyeuristas.
Pois eu acho que o participante expulso deve questionar a emissora sua expulsão. Também acho que Dayane, se por acaso se sentir prejudicada pela exposição macabra, também deveria questionar os verdadeiros responsáveis. Aqueles que, ensandecidos por pontinhos de audiência, preparam o palco, embriagam os atores/cobaias, e transmitem em rede nacional.
Quer um exemplo? No último Reality, a paraibana Juliette falava sobre maquiagem, e uma voz a interrompeu: – Você não é maquiadora aqui. Nesse caso, o controle externo interveio. Por que uma voz qualquer não falou: – Nego do Borel (foto) você não pode continuar. Isso é crime!
Para mim, o maior crime, o machismo, a dissimulação foram todos da responsabilidade daqueles que controlavam o programa. Você tem que ser indenizada, Daiane. Você merece reparação Nego do Borel. Ao deixarem, intencionalmente, um possível crime de natureza sexual ocorrer, fugiram das finalidades educativas, culturais e informativas, e maltrataram a Constituição, ao descumprirem o mandamento de “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”. Vocês foram, no mínimo, desrespeitados.
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