João Pessoa, 31 de outubro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
ESSA é minha coluna domingueira no Jornal A União, deste domingo, achei por bem postar aqui também
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O poeta que não sou, tentarei palavra por palavra, cada signo um caudal de (in)certezas e perdas, sem medidas, o longo tempo das sacadas e sobrados, o tempo da delicadeza e transparente, de sentimentos intensos, a canção de Seu Pereira e Coletivo 401,“Eu não sou boa influência pra você”.
Eu não sou, mesmo. Nunca fui. No mesmo continente, sol e água quente e pouca correspondência. Às vezes, eu canto: “Eu não sou boa influência pra você/ Ando distraído entre as nuvens/ Coleciono botecos sombrios. Você nunca vai fugir comigo. Madrugada pra beira da praia. Dizes com quem andas/ E eu digo que não és da minha laia”
Seu Pereira tem razão – eu não sou boa influência pra você. Não sou mesmo. Eu vejo sempre uma barreira, entre eu e você. Você sabe tudo e eu estou por fora. A vida é um jogo? Então, eu não sou boa influência pra você. Eu sei jogar, mas estou cansado.
Vejo um delta imenso, a perder de vista. Estou no cais. Um poema que expusesse por inteiro à magia da luz vespertina do amor, os lábios cerrados, o olhar grávido da minha percepção, mas eu não sou boa influência pra você. Não sou mesmo.
Eu requebro, mato e roubo por você, de quem finalmente não se sente culpado – desperto e sou feliz, e sequer me chama para contemplar as estrelas Além do Horizonte, da canção do Roberto.
A lua amarelou, meu bem, não fica mais enchendo de claridade o nosso Instagram de bobagens, que não vai mais resistir. Você é bem melhor e eu não sou boa influência pra você.
Eu nasci no mato, você na metrópole, mas nem por isso você é o Tao. Tem muito novelo nessa história. Um amigo disse que certas coisas só se resolvem com a morte. Ledo engano, porque eu não sou boa influência pra você. A morte vem depois.
Era isso que estava previsto. O que não estava propriamente estabelecido, era o tempo da desgraça, da nossa dor, das nossas agonias, o tempo ruim que nos tornou assim ou eu estava cego de tanto vê-lo sombrio?
Mais adiante, correrá tudo bem, mas só para salientar, em todo o caso, que mesmo apesar dos olhos ateus/teus, independentemente da idade, continuaremos de pé, embora mortos, porque na verdade, eu não sou boa companhia pra você.
Não sou, eu não sou. Eu falo delírios e você é careta, eu ando a cem e você vai de uber, eu sou desorganizado e você, como sempre, o exemplo. Eu sou afetuoso e você encabulado. Eu sou seu amor e você é Caim.
Às vezes dou por mim pensando em você, a dar razão ao seu discurso – em sentido abstrato, é claro. Eu tenho vergonha de continuar a dizer que te amo, porque você é frio e eu não sou indiscutivelmente boa influência pra você.
Seu Pereira tem razão. Não vai ser eu que vou ser boa influência para você. Você é igual a geral. Deve ser cármico.
Ninguém vai mudar teu jeito de tentar mudar.
Em tudo és sistematicamente brilhante. E eu não sou.
Vamos se ver no fim. Mal ou bem, gostando ou não, por uma vez ouço sua voz, dizendo não, não, não. O nosso objetivo não é ganhar, é passar à fase seguinte! Mas a fase seguinte eu já sei, porque eu não sou boa influência para você. Adeus.
Kapetadas
1 – Um dos seus fãs era um senhor chamado Orson Welles, que conhecia um pouco de interpretação.
2 – Qualquer coisa é melhor que isso – isso o quê – qualquer coisa.
3 – Som na caixa: “Me larga, não enche/ Você não entende nada, eu não vou te fazer entender”, Caetano Veloso.
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OPINIÃO - 22/11/2024