João Pessoa, 03 de novembro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Código das águas
A rigor, não ir além do verso
das águas, escandir apenas
a faixa do mangue e seus labirintos
opacos.
No máximo, reparar na ilha
cimentada, quase fora do mundo,
e soletrar, quem sabe, a sombra magra
da ponte, anfíbia e arruinada.
A rigor, não ir além da imagem
das águas, tatear apenas
sua escura epiderme, este poema
de flancos esquivos, de ínvios
fantasmas.
E dentro desse mundo
aflito e oleoso, dessas águas
estagnadas, navegar a noite
dos peixes anônimos
às margens de Filipeia
contemplada.
A rigor, não ir além da sílaba
das águas, tecer apenas
a frase da floresta e seu curso
de fluidos arenitos.
A rigor, não ir além do fonema
das águas, cantar apenas,
no braço de mar da vespa
agressiva, a elipse das lendas
desde a foz encantada.
Apalpar, se possível, o fluxo
do sonho e as palustres enseadas
de quem ocupa a topografia
dos mocambos, na dor de viver
para nada.
Gramática do mangue
De princípio, dizer do mangue
tão somente o alicerce úmido,
os signos da fome, a miúda
coreografia que o povoa
sob a lama.
Pensar, talvez, nas escamas
dos bichos, luzindo a solidão
das águas.
Tentar, nas metáforas
do crepúsculo, colher o pão
e esculpir o salobro roteiro
de outros naufrágios.
De princípio, dizer do mangue
tão somente a cerimônia muda,
as vogais da sede, a ínfima
tipografia que o transforma
em drama.
Tirar, de seus podres terraços,
o antigo idioma de mensagens
duras.
Traçar, nas ramagens
aquáticas que o devassam,
o sangue de seu nome.
De princípio, dizer do mangue
tão somente a noite rala
e a luz de seus casebres
carcomidos.
Extrair, do ventre inchado
do barro, as lavadas lendas
dos caranguejos encardidos.
(Do livro Todos os lugares, 2007)
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OPINIÃO - 22/11/2024