João Pessoa, 20 de novembro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Eu já ia longe, quando escutei alguém gritar: “Seu Vicente”, exatamente como se fazia e se faz no sertão. Gritar o nome de pessoa em alto som nas calçadas.
Eu não me chamo Vicente. O único Vicente que conheço que caminha na praia todos os dias, é amigo de Marcos Pires, mas a gente não o chama de Seu Vicente.
Ouvi novamente e dessa vez assim: “Vicente Pinheiro” e a voz veio de um fio que parecia ter rasgado a garganta. Ué, alguém estava chamando a mim, pelo nome de meu pai? Ou eu estava doido, ouvindo vozes?
Eis a história contada, que deixou meu coração fogareiro. Olhei para trás e uma mão acenava, era Neto Domiciano, (o amor de Nadma) um amigo de infância, que mora aqui em João Pessoa.
Acenei e segui caminhando, onde resplandecia a espuma de um mar imenso, sob o tom vermelho do sol, eu e minha sombra e mais ninguém.
Numa sublime simetria, sob a luz que me conduz, a luz de uma flor inversa, pelo mais antigo aroma do mundo, ouvir alguém chamar o nome de meu pai tão cedo, foi como se ele estivesse ali, atravessando comigo a raiz da qual nascemos, ele no Brejo do Cruz e eu no Sertão.
Eu não sei inventar um cais, não tenho um navio, talvez o amor tardio e a vontade de ser feliz de novo. Em mim, não morre o sonhador.
Meu pai cuidava de mim, com o mesmo esmero que alguém cuidou dele, como se bebesse um copo de leite fresco ou ele, só ele, no Sertão, o leitor assíduo do infinito Gibran, que terminou dando nome a muitos garotos, o seu antenome, Kahlil. (1883 – 1931)
O fato do rapaz gritar seu nome, acho que duas vezes, Vicente Pinheiro, refez sem querer os laços mais profundos e a ideia de quem somos, ainda somos, e por que somos?
Eu não queria escrever sobre essa cena, mas meu pai era um artista, um homem que era guarda-fios dos Correios, pescava, consertava fiações elétricas e canos de plásticos, esses que fazem a água chegar até nossas casas.
Sabia dançar silenciosamente. Era um homem bonito, um mulato de olhos azuis.
Anos depois ainda o procuro, releio suas cartas, suas fotografias, a felicidade de ter ficado o tempo preciso ao seu lado, minhas gargalhadas, suas risadas, meu delírio, seu delírio, Seu Vicente, seu amor e compaixão.
Voltei para casa sonhando, como quem lavra uma oração ou de peito lavado, por mais um dia na vida, ter sido chamado atenção, pelo grito no ar, o seu nome. O nome do pai, em nome do pai, do filho e do espírito santo. E no amém, também.
Brilhar, acontecer, sobreviver, sonhar e ainda comer o pão de cada dia. Obrigado meu pai, por ter me feito no raso gozo de segundos, de 1959.
Kapetadas
1 – Para quem quiser ver completo esse texto, basta perguntar no sertão, quem foi Seu Vicente Pinheiro?
1 – Mudando de assunto, ser mulher é ter que provar em dobro que é capaz de fazer o que o homem sequer precisa provar que faz.
2 – Som na caixa: “Prepare o seu coração, Pras coisas que eu vou contar”, Geraldo Vandré
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OPINIÃO - 22/11/2024