João Pessoa, 24 de novembro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Se é verdade que criança também é gente, conforme título de livro da psicóloga Léa Lerner, é verdade, não menos, que as noções de inocência e anjelicalidade nem sempre se conformam à natureza dos tipinhos, sobretudo de certos tipinhos, azedos e insuportáveis.
Sigmund Freud percebeu bem que, mesclada à inocência das crianças, existe a crueldade, fenômeno não somente comprovado pela irrefutável aspereza do real, como também pelo insólito calor das fantasias literárias.
No primeiro caso, todo adulto que não é hipócrita (existe mesmo este adulto?) viveu ou vive experiências negativas, constrangedoras, desconfortáveis, irritantes com a caterva variegada da arráia miúda, quer sejam os filhos, os sobrinhos, os netos, quer sejam os meros amiguinhos, filhos de seus amigos e amigas, representantes típicos da fauna dos mal-educados, dos dissimulados, dos perversos, dos idiotas, dos traquinas, dos palhaços, dos sujismundos etc.
No segundo caso, lembro, desde já, do elenco de maldades de que “Serginho”, personagem de O Ateneu, de Raul Pompéia, como também poderia exemplificar esses ingredientes característicos do ser humano com os romances Menino de engenho, de José Lins do Rêgo; Batismo de fogo, de Vargas Llosa, e O jovem Torless, de Robert Musil, cada um, em sua vertente e estilo peculiares, expondo as vísceras malignas da personalidade infantil.
Hobbes, mais realista que Rousseau (que considera o ser humano naturalmente bom, muito embora degradado e corrompido pela sociedade), defende a ideia de que o homem é naturalmente mau, podendo a sociedade, dependendo de sua organização e objetivos sociais e políticos, torná-lo apenas menos pior. E nesta contenda doutrinária, estou com Hobbes, pois a existência que, segundo Sartre, precede a essência, tem me demonstrado exatamente isto.
Pensando assim, não quero dizer que a criança seja má de toda, nem muito menos que seja um adulto em miniatura, como pensavam antigos e medievais. Apenas não desejo camuflar farisaicamente uma realidade notória e indiscutível, isto é: se a criança é um ser humano como outro qualquer, portanto frágil, desprotegido, precário, posto que possua algumas virtudes, é também violenta, arrogante, autoritária. Diria mesmo que, em certas circunstâncias não tão incomuns, a criança é nosso pequenino tirano ou o reizinho do mais absoluto despotismo.
Quem discordar, que me atire a primeira pedra!
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OPINIÃO - 22/11/2024