João Pessoa, 01 de dezembro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Mais uma vez em Princesa Isabel (foto). Mais uma razão para ler e reler Aldo Lopes de Araújo, filho natural desses Cariris Velhos e eterno habitante da serra dos Bernardinos, que fica a 1200 metros acima do nível do mar.
Trouxe no bisaco um exemplar de A dançarina e o coronel, seu segundo romance, que, a exemplo do anterior, O dia dos cachorros, possui o sabor e o cheiro sagrados de sua “Macondo” particular, cidade real e onírica que lhe mobiliza a aventura criadora.
Foi bom porque vi, in loco, vivos e vívidos, sob a regência de minha imaginação literária, colada, a seu turno, à canícula e ao frege humanos de um dia de feira, toda sua tipologia fantástica, misto de verdade e mentira, de história e ficção, de fantasia e realidade, na carne pulsante de uma prosa lúcida e ludicamente bem temperada.
O coronel Saturnino, Heliodoro, padre Rabelo, Maria do livramento, Ernestina, Natina Naildes, Anspilcueta Mandaú, João Triângulo, Mara Rúbia, Guarabira, Zé Nazário, Benedito, Etevaldo Sucurujuba, Ernesto Antas, Epaminondas, o Cigano, os Anões e tantos outros compõem uma insólita, porém, verossímil nomenclatura de antropônimos que se materializam no enredo orgânico da vida. Seres que se cruzam e se dispersam sob os apelos e tremores da guerra e sob as gostosuras e prazeres do circo.
A propósito do circo, fui, à noite, a um dos seus espetáculos, só para espiar Mara Rúbia e a deliciosa dádiva do corpo de mulher viçosa, ofertando suas curvas sombrias e luminosas à febre minha e do desejo alheio, e ainda, sob as lonas, sentir a mesmice esplêndida do carnaval e da dramaturgia da vida em qualquer tempo e em todo lugar. O circo, no seu fado itinerante e na sua tessitura microscópica, como que estabelece o contraponto com a guerra, costurando, por conseguinte, os fios que dão unidade ao tecido narrativo deste romance que mescla, em sua textura idiomática, o real, o grotesco, o mágico e o sublime.
Com o Cigano, quase negociei o meu cavalo Baudelaire. A lábia e a malemolência de sua estirpe ladina e andarilha quase me surrupiavam o último bem de uma herança querida e dolorosa. Mara Rúbia não deu bolas para mim, mas o coronel Saturnino me exigiu uma visita, a que compareci, respeitoso e honrado. Na despedida me disse, a seu jeito sentencioso: “O mundo não muda, apesar das novas tecnologias. Os homens são animais ferozes, e a guerra está em nós. Mulher, meu filho, é bicho belo e ruim, mas todo território deve de ser livre, principalmente, o território do coração”.
Aldo Lopes de Araújo possui a exata noção do peso inventivo da linguagem verbal em termos estéticos. Por isto mesmo, não compactua com o falso brilho nem com a rarefeita atomização do significante, esvaziado de suas forças significativas. Ao inventar, dando-se, inteiro, aos sortilégios da fabulação, conta uma história que nos prende, ora pelo choro, ora pelo riso. Cria tipos inesquecíveis e plasma acontecimentos singulares, não se perdendo, portanto, no jogo gratuito dos signos, ou seja, numa semiose estéril e artificial, tão ao gosto dos inúmeros desprevenidos. Aposta, sim, no fulgor da mimesis, isto é, na constituição de um universo próprio – Princesa Isabel, sua guerra e seus causos – e na fertilidade da mathesis, com seus múltiplos saberes, sintetizados na pauta do discurso expressivo, a respeitar, assim, a dignidade do leitor.
Pai de Amaranta, Una, Tainá e Naíla (nome que me furtou e que seria o de Carolina, minha filha mais nova!); avô de Felipe, Hortensinho, Davi, Catarina e Maria Eduarda; delegado aposentado da Polícia Estadual do Rio Grande do Norte e escritor, sobretudo escritor, escritor daqueles que têm, no limite preciso da palavra precisa, a densidade, a exuberância e a riqueza da lavoura literária.
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TURISMO - 19/12/2024