João Pessoa, 10 de dezembro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Com a decoração natalina e o sentimento de urgência por renovação, o mês de dezembro é marcado pela revisão das atividades praticadas no ano que está se encerrando. No âmbito das letras, para quem costuma tomar nota do que lê, como eu, também é época de revisitar as leituras. Por isso, trago hoje três livros que marcaram meu 2021. Não são lançamentos, nem estão dispostos aqui por ordem de predileção. São livros devorados nos últimos meses, que em comum, compartilham a sensibilidade e a tentativa de compreender novas culturas a partir do olhar de seus integrantes.
Assimilando a própria trajetória ao mesmo tempo em que abraça sua cultura originária, o escritor Amós Oz provoca emoções intensas em De amor e trevas. Judeu, Oz recria suas memórias de infância e conta a história de Israel. É impossível dissiocar seus fragmentos de intimidade da pluralidade judaica. Sua vivência particular se entrelaça com os caminhos religiosos por todo o livro, mesmo quando há conflitos com a comunidade, permitindo uma autoanálise cheia de camadas.
Por outro lado, As Alegrias da Maternidade, da escritora Buchi Emecheta, também provocou profundas reflexões. Não poderia haver título mais irônico: a maternidade, para a cultura da protagonista, igbo, não é uma escolha ou necessariamente um gesto de amor. Nesta realidade, ser mãe é o único dever de uma mulher. Nnu Ego, personagem principal da obra, a priori, sofre sem conseguir dar à luz. Entretanto, mesmo quando consegue, vê-se com muitas obrigações e poucos recursos. O romance trata com respeito os valores e as tradições da cultura igbo, mas também faz questionar as relações entre o homem e a mulher; entre a capital e o interior; entre a Nigéria e a Inglaterra.
Magistral, O último voo do flamingo, do escritor Mia Couto, (foto) narra uma história de realismo fantástico entre a oralidade e a erudição. Quando explosões começam a atingir soldados, cujas almas viram farelo e os corpos, poeira, os que permanecem vivos tentam investigar o fenômeno. A primeira parte do livro faz gargalhar, a segunda, assusta. É necessário um tradutor da ONU para examinar o caso no vilarejo moçambicano fictício. Contudo, diante de uma cultura nova, não é um tradutor de língua: é um tradutor de mundo. Ao longo da narrativa, crenças se fundem aos ossos dos mortos e é atribuído um valor incomensurável à esperança. Assim como um de seus personagens, o livro não permite fiscais do horizonte. Sua magnitude vai muito além do que se pode ver.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
OPINIÃO - 22/11/2024