João Pessoa, 14 de janeiro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
No Brasil, reina Ensaio Sobre a Cegueira como obra mais importante do escritor José Saramago; em Portugal, Memorial do Convento ocupa um lugar privilegiado nas estantes. Neste livro, o farto reinado de Dom João V (foto) obtém posição de destaque, já que a narrativa inicia com as fracassadas tentativas do rei de ter um filho. Sobra-lhe ouro (brasileiro), falta-lhe herdeiro. Então, um frade sugere ao rei que faça uma promessa de construir um convento, caso a rainha dê à luz herdeiros, em agradecimento pela graça alcançada.
O imaginário histórico saramaguiano é rico e se ancora em alguns fatos, mas a apresentação de outras tramas e personagens não colocam em dúvida a ficcionalidade do texto. Assim, o autor desenvolve cenas que discutem a tênue linha entre a invenção e a natureza humana, bem como valores religosos, éticos e morais. Embora todos esses questionamentos possam ser extraídos da obra, é a relação entre Baltasar Sete-Sóis e Blimunda que considero sua maior preciosidade. A liberdade para amarem e serem amados constitui uma das maiores pérolas da Literatura e tornam qualquer plano de fundo histórico mais interessante.
O filósofo Didi Huberman, ao explorar estratégias de como ver o tempo, aponta que os olhos da história podem aprofundar e criticar o saber histórico; questionar sobre o tempo permite tanto historicizar quanto criticar imagens. Saramago, então, ao tornar sensível uma realidade histórica, acrescentando sua veia ficcional, deixa os olhos da história livres para, dentro de uma mesma narrativa, imaginar as chances de uma outra liberdade. Afinal, um rei não pode mudar a história. Um escritor pode.
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OPINIÃO - 22/11/2024