João Pessoa, 02 de fevereiro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Certa feita, interpelado por um de seus admiradores que o chamou de imortal, Olavo Bilac (foto), o poeta, respondeu: “imortal, sim, porque não tenho aonde cair morto!”.
Trago à tona este fato pitoresco, salvo engano, narrado por Raymundo Magalhães Júnior, em sua biografia sobre o bardo parnasiano, para tocar no delicado e nebuloso tema da imortalidade. Mais precisamente, da imortalidade acadêmica.
Tirante o sarcasmo do poeta, que talvez não levasse a sério o peso da credencial, é preciso observar que a imortalidade, mesmo na sua compleição simbólica e transcendental, coloca o acadêmico em situações de inegável desconforto e de incômodo constrangimento.
Pensemos, preliminarmente, no fato de que o seleto número de acadêmicos da APL – Academia Paraibana de Letras -, ou de outras de igual teor, por exemplo, está permanentemente sob a mira daqueles que se consideram aptos a ocupar o espaço vazio de uma vaga das sagradas cadeiras do egrégio sodalício.
Sabemos, de outra parte, que este contingente não é nada pequeno, a levarmos em conta a taxa de vaidade que nutre o ego das inúmeras personalidades que rondam, como abutres sequiosos e famintos, o Jardim de Academos. Afinal, vivemos a era do narcisismo e do ressentimento, como assinala o filósofo Luiz Felipe Pondé.
Não tenho dúvidas de que muitos desses pretensos notáveis, na secreta viscosidade dos pensamentos, no auge do desejo delirante e picado pela víbora da inveja mais peçonhenta, torce desesperadamente pela vacância de uma das cadeiras, ou, dito de outra forma, espera ansiosamente pelo infarto do miocárdio, pelo derrame cerebral, pelo câncer na próstata, pela falência completa dos órgãos ou por outro qualquer mal que consiga levar o pobre imortal desta para uma melhor.
Não estou carregando nas tintas nem caricaturando esta dimensão da imortalidade. Não fosse assim, como explicar a atitude do intelectual, cientista, escritor e artista no ritual ridículo do petitório de voto?
Alguns, sem esconder a congênita sordidez e o cinismo macabro, não respeitam nem mesmo o momento elegíaco do velório e do sepultamento do imortal que se foi, como diria Augusto dos Anjos, para a “frialdade inorgânica da terra”, e começa, com telefonemas, e-mails, recados, visitas, a abusar da paciência e do sossego do imortal que por aqui ficou, isto é, na vida, esta “agitação feroz e sem finalidade”, na incisiva expressão lírica de Manuel bandeira.
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OPINIÃO - 22/11/2024