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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Beatriz nua

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publicado em 05/02/2022 às 08h44
atualizado em 05/02/2022 às 06h01

A inquietude nos leva para outras navegações. Muitas vezes ficamos à deriva ou afundamos. É o tempo quem define.

Mexendo na gaveta, achei um envelope de papel madeira com várias fotos e um cartão comprado em Paris, na década de 80 – a imagem de “Incontro di Dante con Beatrice” de Henry Holliday. Fiquei atento aquela descoberta, a beleza da obra, algo libertador.

Quem primeiro me falou de Beatriz foi a professora Zarinha, no ciclo de palestras sobre Dante Alighier. Sim, a Beatriz que Dante afirmava ter visto pela primeira vez aos 9 anos, se apaixonara e que nunca havia esquecido. Uma imagem impregnada. Eu não tenho uma Beatriz.

Eu sairia do cavo do mundo para encontrar a Beatriz de Dante no Paraíso, já que não se tem registro dela no Purgatório, sequer no Inferno. Nunca se cale diante do que é belo.

A imagem dela na tela é uma relação de reconhecimento, de um sonho acordado, que se vive suspenso, talvez, uma única Beatriz. Dante aparece de pé numa paisagem de espera. Navegar é preciso.

Dante esperou tanto tempo, mais que uma gestação, mais que uma vida. Todo itinerário dele é povoado de desejos por Beatriz. O amor que nutria por ela estava fincado na memória. Dante não é deste mundo. Nem eu.

A representação da pintura de Henry Holliday ( de 1883), um pintor de paisagens e gênero histórico britânico, ilustrador e escultor, traz esse possível segundo encontro com Dante aos 18 anos, devido o impacto da adoração, do nascimento da imagem, que se teria dado aos nove, sobrepondo os dois momentos.

É uma beleza de obra. Só Dante para nos transportar para essa imagem, digo, só Henry Holliday. Só Dante para cultivar uma Beatriz.

Beatriz, bela, de lugares distantes, nas viagens do tempo, “de vestes claras, passa, olhando em frente, imensamente feliz em não saudar Dante” que, desacordado pela aparição dela, tenta se esconder na composição. Até tu, Dante?

Na imagem de Henry Holliday, Dante leva a mão ao peito, no embate de tal revelação.  Dante era um rei.

A obra faz um encontro dessa p(arte), como uma música, partitura, letra e melodia.  Dante esboça seu olhar ferido diante da cena.

Naquele instante plasmado, “Dante deixa de ser homem e passa a oráculo de si mesmo E vê, fora de si, o ideal do eu”  – por isso a Beatriz é  sagrada. Ou seria ele, a Beatriz?

Dante é fulminado pelo desprazer que esta revelação lhe provoca. E somos todos iguais fulminados, pois, não temos sequer o que desejar, quando  sequer sonhamos.

Eu olho para Beatriz, e fico a buscar as meninas de outros tempos – Leilas, Tatiana, Luanas, Carolinas. Meu desejo é minha sina, e todas elas são Beatriz. Estou preso e sei que querer não é poder. Meu jogo é não jogar.

Outro dia li um alerta sobre a desordem amorosa – “A luta continua: Beatriz toda nua!”. Que luta?

Mas eu canto Jobim – “Vem cá Luiza, vem cá, Luiza, me dá a tua mão, O teu desejo é sempre o meu desejo, vem, me exorciza”

Kapetadas

1 – Prefiro careta, do que falta de caráter.

2 – Prefiro a minha solidão genuína à pseudo presença de qualquer um.

3 – É tanto cachorro com tanto conforto e bons tratos que os sem-teto clamam por uma noite de cão.

3 – O som na caixa está dentro do texto

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