João Pessoa, 03 de março de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Num misto de surpresa e alegria recebi o convite para prefaciar o livro de estreia desta jovem poeta que, com segurança e domínio das palavras, pousa no universo da poesia. Tal incumbência, que bem poderia ter sido conferida a um experiente bardo ou crítico literário, aumenta minha responsabilidade.
Aqui encontramos poemas concebidos pela autora no início de sua adolescência e outros escritos mais recentemente, no frescor de seus 17 anos (o livro foi lançado em 2016, quando a autora ainda não tinha completo a maioridade civil). Não pense você leitor/leitora que irá se deparar com arroubos de adolescente versejando seus sonhos e fantasias. Ao contrário, chega a surpreender a maduridade de Clara Velloso Borges no domínio da arte poética. Busca revelar-se ao compor o “Profundo autoconhecimento” onde arrebatadora e firme se apresenta: “Eu acabo onde um começa,/eu começo por onde outro volta./Eu reacabo e aconteço./Eu dou cabo e me arremesso.”
Este livro de poemas é para ser lido sem pressa para que se possa perceber que a condução das palavras leva o leitor/leitora ao sublime que é a cidadania poética . Aqui encontramos uma verdadeira poeta (não poetisa que, no dizer de Orides Fontela, coloca a mulher numa condição inferior), não totalmente pronta – pudera, dezessete anos! -, mas pavimentando o caminho com o domínio de sua arte. Talvez o poeta nunca se considere pronto, no sentido de achar que nada mais tem a dizer, a indignar-se, a contemplar as miudezas que, por si só, são a grandeza da vida. Poesia é o instante. Se não salva o mundo, decerto salvará o minuto, e isso já é muito. A poesia clareana salva cada minuto porque parturejada da emoção.
É poesia livre, sem apegos a estilo ou escola, e isso nos faz lembrar o homem/pai da autora, e também poeta Hermance Gomes Pereira onde no poema “Poetar” nos ensina que “…A poesia flui,/O sentimento mostra-se cru./ A rima e a métrica/ Limitam a fantasia,/As próprias palavras/ Acabam por diminuir a/ Grandeza das emoções./A poesia, é o reflexo/ Da alma do poeta,/ Só pode então,/ Ser livre.” (In Cosmovisão, 1983).
Se porventura Clara perguntar a si própria, se deverá continuar a escrever poesia, Rilke pode assim lhe responder: “Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o você for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples ‘Preciso’, então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso”. (In Cartas a um jovem poeta).
E para que serve a poesia? Não apenas para “quando a morena for embora”, no dizer de Ferreira Gullar, mas para enfrentar o esvaziamento de sentidos na sociedade contemporânea tão carente desse fazer poético que Clara Velloso Borges nos brinda aqui e agora.
Clara já se deu cabo e se arremessou nesse “universo lírico e confuso”, mas não em queda livre, abriu com responsabilidade seu “Paraquedas” para em terra firme trilhar esse caminho sedimentado de sutilezas, enxergando com seu olhar de poeta o que muitos não podem ver.
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OPINIÃO - 22/11/2024