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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Mais do que radioativos

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publicado em 11/03/2022 ás 07h08

Não é de hoje que a Ucrânia não tem paz. Em 26 de abril de 1986, a  explosão de um reator nuclear fez de Chernobyl o cenário do pior acidente tóxico da história. Sabendo que tal fato é amplamente conhecido, Vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch, perde pouco tempo com contextualizações. Esse livro, assim como Arrastados, de Daniela Arbex, tema da última coluna, se aprofunda na humanidade dos envolvidos.

Diferentemente da investigação de Arbex, porém, Vozes de Tchernóbil é composto por relatos em primeira pessoa de sobreviventes à explosão. Dentre eles, o primeiro foi o que mais me impactou: a jovem esposa de um bombeiro que luta incessantemente pela vida do marido. Para o filósofo Zygmunt Bauman, nada possui mais afinidade com o amor verdadeiro do que a morte (ambos são arrebatadores, definitivos e impulsionam para a vida). No caso dessa jovem, a aproximação era literal.

Essa história foi só o começo. Há mais, como a das crianças que dirigem-se às escolas em outras cidades e sofrem bullying, sendo apelidadas de “crianças radioativas”. Com essa compilação, Svetlana lembra os nomes, passados, sentimentos e costumes dos ucranianos. Ao fazer deles mais do que radioativos, devolve-lhes a dignidade.

Minha única ressalva é extratextual. Realmente acredito que textos jornalísticos podem ser recheados de Literatura, mas nesse livro, considerado a obra-prima da autora, sua atuação foi meramente investigativa. Aleksiévitch colheu relatos sensíveis e os transcreveu. Suas próprias palavras não possuem tanta participação ativa, para que a autora tenha sido laureada com um prêmio Nobel de Literatura.

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