João Pessoa, 16 de março de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Raízes
Na verdade, nunca saí dali.
Se fui a Paris e a seus tormentos,
foi no navio do sonho.
Minha capital é aquela pedra
que me vigia desde o dia em que nasci.
Meus poetas foram meus bois
e meus cavalos.
Neblina, a novilha mais fina,
se fez metáfora a vida inteira.
Sob aquela árvore, no meio da caatinga,
jazia a minha Amsterdã,
o meu Van Gogh, o estampido
do tiro na garganta.
À beira da lagoa, na casa defronte,
repousavam a beleza e a tristeza
dos velhos países.
Nunca vou sair dali.
No meio dos espinhos
e sob as facas do sol
teci o aroma do meu destino.
Menino do Cariri,
me acostumei aos ventos da morte,
pois, lá no Norte, tudo aprendi.
A água e a letra,
a passagem do cometa,
suas sombras de carícia no meu verso.
Meu universo é aquela pedra.
Nunca saí dali.
(Do livro recém publicado, De quase nada se faz um poema.
João Pessoa: Ideia, 2022)
Cerimônia
Viver foi fazer coisas miúdas.
Deixar os dias passarem,
sem o éter do grande acontecimento.
O ouro no limpar das gaiolas.
O êxtase no folhear os livros.
Ler e amar sem dor nem ciúme.
Cada palavra, um tesouro quântico.
Espiar o nada
onde o sonha se desmancha.
Só,
repetir a cerimônia do poema.
Fim
Ácidas águas alagam a tarde.
Molhados animais se escondem.
Um vento vertical corta o crepúsculo.
Não dá mais tempo.
O outono ameaça devorar o júbilo
das coisas.
O vulcão silencia.
A alma se dilata e some.
Ser sozinho foi o meu patrimônio.
(Do livro recém publicado, … e nada aconteceu comigo.
João Pessoa: Ideia, 2022)
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
OPINIÃO - 22/11/2024