João Pessoa, 19 de abril de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O termo em inglês, gaslighting, significa desprezo ou subvalorização, por parte de familiares ou médicos (principalmente), de sintomas relatados por mulheres, e que traduz uma omissão com elas, com as marcas da história.
Isso ocorre por sintomas produzidos em doenças de difícil diagnóstico, ou doença aguda, por exemplo, e, por desvalorização da palavra de quem os sente, alguém do sexo feminino, que pode ser negligenciado por longos tempos.
Eu sempre chamei a atenção de alunos para o não uso de termos que considero “chulos”, como pití, piripaque, chilique, para traduzir uma crise dissociativa ou conversiva, durante um ato médico.
Charcot bem nos explicou que histeria não era, como pensara Hipócrates, o balanço do útero transformado em sintomas somáticos vários. Freud ajudou a compreender que, quando havia um conflito irresoluto naquela mente, ocorreria uma conversão, ou seja, a manifestação no corpo desse conflito psíquico.
Então é preciso saber que, mesmo havendo graus variáveis de voluntariedade, há, implícito, um drama inconsciente que não encontrou saída. A tarefa do médico é acolher esse sofrimento por trás do sintoma, acalmar familiares, escutar e medicar, se for o caso. Mas, estarrecido, vi, muitas vezes, métodos que geravam dor como forma de fazer a paciente reagir.
Por outro lado, há outra ordem de fenômeno chamado somatização que seria traduzida por uma dor, perturbação gástrica ou outra qualquer cronicamente sentida. Por essa vertente, sintomas provocados por doenças somáticas reais, como um mal-estar que prediz um infarto, seria atribuído a causas emocionais por ser, supostamente, a mulher dotada dessa capacidade sensível de referir sintomas que, de fato, “não existiriam”.
No filme Gaslight, de 1944, onde se buscou o significado atual do termo, um marido tenta convencer sua esposa de que ela vê coisas que não existem (o acender e apagar de luzes provocadas por ele mesmo) na tentativa de roubar-lhe joias preciosas.
O Movimento, que se anuncia, tem a primazia de chamar a atenção para o descaso com a mulher. O texto de “Veja”, por sua vez, peca num ponto: não lembra que há de fato conflitos subjetivos expressados sob a forma de conversão, somatização e transtornos factícios. O que pode dificultar o manejo de pacientes com esses problemas, ao reforçar a negação existente em tais sujeitos, homens ou mulheres.
Mais um cuidado para médicos e estudantes de medicina. Não negligenciem. Acolham os sintomas de uma mulher como forma da sua verdade e não como fantasia feminina. Não pratiquem gaslighting. Não manipulem!
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OPINIÃO - 22/11/2024