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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Estuprada no século XVII

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publicado em 30/04/2022 às 10h15
atualizado em 30/04/2022 às 07h41

Eu já tinha esquecido.

Essa semana a professora Zarinha voltou a falar em Artemisia Gentileschi, no trabalho dela, sua obra, que estudamos em 2018, mas vamos voltar ao tema na parte Quattocento. Sua pintura é uma coisa bela.

Artemisia foi estuprada da maneira mais covarde, no século XVII. Ou seja, ninguém vai conseguir tirar da cabeça do homem, que estupro é crime, é coisa do mau. Carregamos essa dor…

“Trancou o quarto a chave e depois me jogou sobre a cama, imobilizando-me com uma mão sobre meu peito e colocando um dos joelhos entre minhas coxas para que não pudesse fechá-las. E levantou minhas roupas, algo que lhe deu muito trabalho. Pôs um pano em minha boca para que não gritasse. Eu arranhei seu rosto e arranquei seus cabelos.”, relato de Artemisia

Um estupro ocorrido há muitos anos, mais especificamente em 1611, quando Artemisia  tinha 17 anos. O autor do crime: Agostino Tassi — um  pintor que, na época, já havia sido acusado de estuprar suas duas cunhadas.

Além de ter sido estuprada, Artemisia  teve de aguentar ver o agressor livre e sua denúncia questionada abertamente. Não adianta pensar ao contrário – essa cena acontece todos os dias.

Artemisia sofreu com a indiferença e a rejeição do mundo artístico de sua época por ser mulher, por ser talentosa, por não aguentar e passou pela humilhação de ver a autoria de seus quadros atribuída a seu pai e outros artistas masculinos. Isso é muito triste. Isso é outro estupro.

Uma artista cujo talento pode ser comprovado pelo fato de ter sido a primeira mulher aceita na Academia de Belas Artes de Florença, na Itália, a mesma pela qual passou Michelangelo.

Não sei se no século XVII, as crianças do mundo eram estupradas, na velocidade que acontece hoje, dentro dos lares.

Nascida em Roma, em 1593, Artemísia era a primogênita e a única mulher entre os quatro filhos de Orazio Gentileschi.

Aprendeu a pintar no ateliê do pai, influenciada pela estupenda arte de Caravaggio (a quem, dizem, teria conhecido pessoalmente), em especial sua dramaticidade e seus fortes contrastes.

Mas por que lembrei de Artemisia? Porque vou me tornando cada dia mais um ser humano descrido, por essas barbaridades contra as mulheres. A calmaria vem da voz de Milton Nascimento, na canção que fala do Cio da Terra, um grão, qualquer cena de amor permanente. Onde? Quando?

Brasil

Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que mais de 100 mil meninas e mulheres sofreram violência sexual entre março de 2020 e dezembro de 2021. Ou seja, no Brasil teve um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas em 2021. A vítima é sempre a próxima.

Kapetadas

1 – Hitler matava as pessoas usando gás, Putin mata retirando.

2 – Certezas dão sono, incertezas tiram.

3 – Ilustração  – Artemisia Gentileschi: Giaele e Sisara, 1620 – Museu de Belas Artes de Budapeste, Hungria


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