João Pessoa, 04 de maio de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
“Para se ter
uma cidade, é preciso
estar longe dela”.
Com estes versos, inicio o movimento VIII do poema A comarca das pedras, de 1997. O paradoxo de base metafórica procura lidar com a possibilidade simbólica dos signos, ao mesmo tempo em que a memória afetiva como que destrói as fronteiras físicas e geográficas entre uma cidade real, distante no tempo e no espaço, e uma cidade imaginária, perto, e no presente da evocação poética.
A propósito, quando escrevi o poema, numa noite desarvorada lá na Praia do Poço (foto), coloquei o seguinte subtítulo: “Fantasia poética para uma cidade perdida”. O “perdida”, aí, num duplo sentido. A que se perdeu, que ficou para trás, como um patrimônio de lembranças, ou, então, perdida num sentido mais sutil, isto é, esquecida, desrespeitada, abandonada, sobretudo pelos gestores públicos que dela têm se aproveitado, ao longo dos dias, com cinismo e crueldade. Mas isto é outra história!
Ao entorno dessa mitografia lírica ainda junto, a partir do livro Caligrafia das léguas, de 1999, pedaços de versos dos poemas “Cavalo”, “Imagem I”, “Imagem II” e “As baraúnas”, para costurar o tecido das recordações que me ligam à terra sagrada da origem, cultivada intimamente como um troféu da saudade que não passa.
“Meu cavalo Soberano
lição primeira me deu:
a de ser livre na vida,
incendiário Prometeu”.
…………………………………
“O luar ao relento,
pousado pássaro de luz
na gaiola do vento”.
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“Na pele do orvalho
reluz a cristaleira do ar
suspensa no galho”.
…………………………………
“Pastoreando o tempo
na fazenda de meu pai
lá estão duas baraúnas.
São duas sombras sagradas.
São duas pirâmides solitárias”.
Cito de memória, recortando o ritmo dos versos com o intuito de garantir a presença de uma motivação nuclear na minha agricultura poética. A terra, a cidade, a infância se associam na tessitura de uma corrente sanguínea interna a irrigar os campos semiáridos de um projeto estético e expressivo sempre inacabado.
A ele não falta, por exemplo, a referência quase mítica a alguns personagens. Meu avô Miné, meu primo Luís Carlos, minha tia Dona, Zé da Maleta e a Nega Conga. Esta, cantada e decantada no poema “Brinquedo”, de O livro da agonia e outros poemas, de 1991, que transcrevo na íntegra:
“No quintal,
o curral de boi
de osso.
Armadura de cipós
de marmeleiro.
De jucá, o moirão
iluminando a fazenda
de sonhos.
Alegria,
as manhãs de sábado,
os cavalos de pau
que a Nega Conga trazia
lá do Serrote da Torre”.
Quando digo “cantada e decantada”, falo denotativamente, pois os poemas e os versos supracitados foram musicados pelo compositor e cantor, Dudé das Aroeiras, meu irmão mais velho, num diálogo perfeitamente sincrônico entre melodia e palavra. Se quem me lê não me quiser ler, pode ouvi-los, na sua voz forte e telúrica de cantador caririseiro. É só acessar, no You Tube, Dudé das Aroeiras.
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OPINIÃO - 22/11/2024