João Pessoa, 06 de maio de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Mães da literatura

Comentários: 0
publicado em 06/05/2022 ás 07h00
atualizado em 05/05/2022 ás 15h28

De todos os vínculos humanos, o materno tende a se destacar até mesmo na ausência. Sem generalizações: quanto mais compreendemos, com o auxílio da literatura, a complexidade identitária, menos tentamos encaixar as mães no senso comum. Nem toda mãe padece no paraíso, nem sempre “mãe só tem uma”. Entretanto, na minha experiência privada, ter mãe é possuir um lugar no mundo – e o acolhimento das boas mães está presente em alguns personagens literários.

Na mitologia grega, é a saudade de uma mãe que justifica o surgimento da estação do inverno. Quando Perséfone foi raptada por Hades e ficou com ele no submundo, sua mãe, Deméter, deusa da colheita, não cessou a procura pela filha. Ameaçou nunca mais alimentar os mortais, como costumava fazer, caso não visse a filha novamente. Zeus encontrou uma solução parcial: anualmente, Perséfone distribui nove meses com a mãe, culminando nas férteis estações de primavera, verão e outono. Nos meses remanescentes, Perséfone fica com Hades, gerando um inverno de escassez granular e gelo na alma de sua mãe.

No Brasil do século XX, dona Lola, de Éramos Seis, é uma mãe que se desdobra para manter a harmonia do lar. Nenhum dos seus quatro filhos se sai como ela esperava. Um a um, vão tomando as rédeas das próprias vidas, nem sempre comprometidos, bem acompanhados ou próximos dela. Apesar das preocupações, dona Lola não deixa de ser mãe.

Em Tudo é Rio, sucesso editorial da escritora Carla Madeira (foto), a tragédia que fere o bebê da protagonista destrói seu núcleo familiar – mas na intimidade, ainda pulsa seu amor de mãe. O livro expõe delicadamente a paixão que arrebata Dalva e Venâncio. Depois, compartilha como o fruto deste amor desperta emoções ainda mais intensas.

Fora do polo valiosamente imaginativo, o psicanalista Donald Winnicott cunhou a expressão “mãe suficientemente boa” para caracterizar, de forma bem mais elaborada, as mães que se preocupam com o outro e acolhem os sentimentos. Para estas mães reais, espontâneas, empáticas, com muito chamego e vivacidade, desejo um domingo de múltiplos afetos.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB