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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

O sentimento ainda vivo

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publicado em 07/05/2022 às 08h09
atualizado em 07/05/2022 às 06h30

Fiquei pensando numa história antiga da minha mãe, mas já contei todas. Ela varria e lavava a calçada. Ninguém fazia isso no sertão. Chega-me seu nome pertinho outra vez, entre o que se foi e o que se viu.

Minha mãe falava na morte quase todos os dias, mas a morte não queria ela. Tanto é que morreu sem saber, sem notar.

Assim como poucos, minha mãe tinha outras visões da vida, do que nos ensinou e aprendemos. Ela não admitia erros, mas quando ria, era um rio de alegria.

Era uma mulher reservada que atingiu a sua última vida, perto do mar, longe da cruz. Morreu no Bessa, no ano em que me casei, 1993.

Ela adorava café. Quem não gosta de café?

Tinha de estar aqui, para se assustar com o preço do tomate, o repolho que está bem caro e as cenouras, também. “Os olhos da cara”, ela dizia.

Galinha de capoeira? Só aos domingos. Talvez por isso eu nunca gostei desse dia. Não porque domingo é um dia triste, mas porque tinha que esperar o outro domingo para festejar. Ah, amanhã é domingo!

Como ainda estamos imersos no mundo, olhares incapazes de empurrar a vida, o pavor, o eco mais visceral, minha mãe não gostaria de estar novamente aqui no planeta. Nunca quis.

Nunca a vi  quebrar na boca gritos impossíveis, nunca

Minha mãe tinha poucas amizades.

Nunca a vi cantando uma modinha, meu pai sim, assobiava canções antigas e eu adorava.

A etimologia que embala as descobertas, minha não dava muita importância. Ela ficava linda no vestido florido de tecido comprado em Paris, as flores coloridas, eram sua primavera. Ela dizia que a gente não faz aniversário, mas primaveras, uma primavera aparentemente sem fim.

Raramente estivemos todos juntos, em volta da comida, no espaço minúsculo da cozinha.

Por necessidade existe a beleza que se esvai. Ninguém acha sua mãe feia, né?

De si para si mesma, e a sensação de que nada nesta vida arrefece, ela trabalhava intensamente, mas parecia uma pessoa sozinha.

Fiquei pensando numa história dela, talvez uma me faça chorar, uma música apenas, uma saudade que nos derruba feito febre.

Minha mãe ainda é algo que acende dentro de mim.

Kapetadas

1 – O céu nublado me deixa triste.

2 – Ah! se eu soubesse mensurar a cronologia irreversível!

3 – Som na caixa: “Como é, minha mãe? Como vão os seus temores? Meu pai, como vai?”, Gilberto Gil.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB