João Pessoa, 01 de julho de 2012 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Federico Franco é o nosso homem em Assunção. Pelo menos é assim que pensam os grandes fazendeiros brasileiros assentados há décadas no Paraguai, que chegam a tratar o médico cirurgião de 49 anos que sucedeu a Fernando Lugo na presidência de "o nosso Franco".
Para líderes dos "brasiguaios", a comunidade de brasileiros que há quatro décadas expande a fronteira agrícola do Paraguai, Lugo era uma ameaça ao agronegócio e à propriedade no campo. Franco, do outro lado, é um velho amigo. O ocaso do ex-bispo que rompeu a hegemonia do Partido Colorado, afirmam os produtores brasileiros, dará início a uma nova era de "segurança jurídica" para os investimentos, cada vez mais lucrativos, no país vizinho. Mas, para isso, é preciso que o governo Dilma Rousseff aceite a legitimidade do impeachment de Lugo e mantenha a fraterna relação das últimas décadas com o Paraguai.
Juacir José Rebossi, mineiro ex-boia fria que se tornou um dos maiores fazendeiros brasileiros em solo paraguaio, onde está desde 1969, lamenta que tenha levado "tanto tempo" para Lugo cair. Em sua caminhonete, ele passeia pela região de Santa Rita – vila onde 80% da população é brasiguaia, a 70 km de Ciudad del Este – mostrando os sinais do boom agrícola que mudou a paisagem da região do Alto Paraná. O mato da época em que chegou deu lugar a infindáveis campos de milho, trigo e sobretudo soja, pontilhados por enormes moinhos e estruturas ultramodernas de processamento da colheita. Lojas de maquinário agrícola, carros, agências bancárias e restaurantes se enfileiram na rua principal, que ganhará asfalto em breve – pago não pelo Estado paraguaio, mas pelos proprietários locais.
O maior orgulho de Rebossi, porém, é a Expo Santa Rita, que ele ajudou a criar. Hoje, a feira agrícola que marca o fim da época de colheita, em maio, é o segundo maior evento do agronegócio no Paraguai e um símbolo do poder e prestígio da comunidade brasiguaia. Na edição de 2012, vieram as duplas sertanejas Fernando e Sorocaba e Chitãozinho e Xororó. Franco estava lá, como em todos os anos. Lugo, também como em todos os anos, não.
"Em todo seu governo, ele nos recebeu apenas duas vezes, logo depois que foi eleito, e nas reuniões ficou calado o tempo todo, enquanto nós explicávamos nosso temor das invasões de terra", explica Rebossi.
Mas, com Franco, "a porteira estará sempre aberta" para a comunidade brasileira. "Conhecemos ele há décadas, desde que ele foi deputado e governador, falamos diretamente, com a maior abertura. Ele é alguém realmente aberto aos brasileiros e, por isso, estamos mais otimistas agora."
”Muito obrigado”
A primeira reunião do primeiro dia de trabalho do presidente Franco, às 8h30 de segunda-feira, foi com líderes brasiguaios. No domingo, pouco mais de 24 horas após a queda de Lugo, eles haviam realizado um encontro com o cônsul do Brasil em Ciudad del Este, Flávio Roberto Bonzanini, a quem entregaram uma carta pedindo o "imediato" reconhecimento brasileiro do novo governo paraguaio.
Os fazendeiros foram especialmente trazidos à capital e recebidos em uma das salas do Palácio los López. Com Franco sentado à cabeceira, discutiram formas para desobstruir os canais com Dilma e convencer o governo brasileiro de que a destituição em 36 horas de Lugo foi legítima. Após alguns minutos de reunião, Franco interrompeu subitamente a conversa e, segurando firme um dos interlocutores brasiguaios, soltou: "Muito obrigado pelo que vocês estão fazendo por mim."
"O Paraguai fez a coisa mais certa que poderia fazer: tirar Lugo do poder e evitar o caos, a revolução", explica Francisco Mesomo, gaúcho de 64 anos que, no fim dos anos 70, comprou uma pequena propriedade no Paraguai para cultivar hortelã e, hoje, é um dos grandes produtores de soja, milho e trigo do país. Mesomo e Rebossi fizeram parte da comitiva recebida por Franco na segunda-feira.
O segundo foi ainda a Brasília, na quarta-feira, falar com um grupo de senadores – entre eles Álvaro Dias (PSDB-PR) e Ana Amélia (PP-RS) -, que manifestaram apoio firme à causa dos brasiguaios e ao reconhecimento do novo governo de Assunção.
Invasões
Rebossi e Mesomo culpam Lugo pelo movimento dos carperos, o grupo de sem-terra do Paraguai cujo nome vem dos barracos de lona onde se abrigam, as carpas. Para os dois brasiguaios, a transformação dos camponeses – que, nos anos 90, dispersos, reivindicavam a reforma agrária – em um movimento político nacionalmente organizado, os carperos dos anos 2000, foi "obra de Lugo".
Durante o governo do ex-bispo, afirmam, o Exército dava cobertura às invasões de terra e o Ministério do Interior evitava ao máximo cumprir as determinações judiciais de desapropriação. Eles alegam ainda que os camponeses eram transportados em veículos do Estado, algo que alguns sem-terra ouvidos pela reportagem negaram.
Um dos momentos mais tensos no conflito entre brasiguaios e carperos ocorreu em fevereiro na região de Ñacunday, perto da fronteira, quando cerca de 10 mil sem-terra ocuparam uma propriedade de plantação de soja. A polícia chegou a prender um dos líderes dos camponeses acusado de incitar a violência contra os brasiguaios, mas a questão segue sem desfecho. Parte das famílias continua na propriedade do brasileiro.
"Os carperos queriam que ocorresse em Ñacunday o massacre que ocorreu no dia 15 em Curuguaty", diz Fernando Schuster, referindo-se à tragédia que deixou 17 mortos – 11 sem-terra e 6 carperos – e deu início ao movimento que culminou na deposição de Lugo. "Conversei cara a cara com os carperos quando os policiais entraram na propriedade. Eles (os sem-terra) ficavam nos provocando, querendo que houvesse violência para eles usarem como arma política", diz Schuster, nascido no Paraguai, em límpido português.
Filho de pai brasileiro e candidato a vereador em Santa Rosa del Monday (cada vez mais, "do Mondaí"), outra pequena cidade do Alto Paraná, Schuster afirma que Lugo pôs os carperos "dentro do governo" e, em Ñacunday, "fez de tudo" para mantê-los nas propriedades.
"É preciso entender que Lugo queria trazer o projeto venezuelano de Hugo Chávez para o Paraguai, que ele pôs o Estado contra os produtores rurais, especialmente os brasileiros e seus descendentes", diz o candidato.
Ele afirma ainda que o ex-bispo "fez vista grossa" às ações violentas do Exército do Povo Paraguaio (EPP), "que se está tornando o equivalente paraguaio das Farc". As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
Estadão
OPINIÃO - 26/11/2024