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Lendo uma entrevista dada por José Américo de Almeida a Homero Senna, na Revista do Globo, número 474, de 8 de janeiro de 1949, e depois inserida no livro República das letras, de 1967, deparo-me com duas curiosidades dos bastidores de sua vida literária.
A primeira se apresenta na resposta que o escritor paraibano dá à seguinte pergunta do repórter: “Por que nada mais publicou depois disso?”. Depois disso quer dizer depois dos romances Coiteiros e Boqueirão. Ora, “Porque resolvi deixar de improvisar”, responde o autor de A bagaceira, ao que acrescenta: “Concebi então o plano das minhas memórias”.
Ressalvando a quantidade e a complexidade do material que acumulou para a elaboração de suas memórias, leva em conta o fato de que certos tópicos mereceriam, devido sua relevância, volumes à parte, a exemplo de A campanha de Princesa, segundo ele mesmo, “praticamente pronto”.
Em seguida viria Visão do caos, em que procuraria revelar os bastidores do ciclo revolucionário de 1930. Confissões de um Ministro de Estado, nas palavras do autor, “nada terá dos enfadonhos relatórios ministeriais, cheios de estatística e burocracia”, seria o terceiro volume, envolvendo reminiscências pessoais e, especialmente, o perfil dos colegas ministros e de outras personalidades do mundo político com quem conviveu nos idos de 30 a 34, como chefe da pasta de Aviação.
Outro livro, intitulado 1937, traria a narração da campanha presidencial, assim como as manobras estratégicas para o golpe de 10 de novembro. Haveria ainda um último volume voltado para o relato dos acontecimentos políticos ocorridos de 1945 em diante, inclusive, tratando da “Campanha da Libertação”, coordenada pelo Brigadeiro Eduardo Gomes.
Como se sabe, estes livros nunca foram publicados, mas o projeto, de fato, existiu, conforme depõe o próprio José Américo na referida entrevista.
Os títulos são sugestivos, e decerto os leitores, sobretudo os leitores de hoje, teriam muito a aprender e muito sobre o que refletir no plano histórico e político, diante dessas páginas do grande escritor e memorialista.
A segunda, interessantíssima, porque parece revelar um traço forte de sua personalidade literária, situado, penso eu, a humildade e a grandeza de caráter, bem marcadas entre seus pares.
Indagado sobre o reconhecido pioneirismo de seu romance, A bagaceira, e sobre a força de sua influência nos autores nordestinos que se lhe seguiram, responde – e como responde! -, José Américo de Almeida:
“Não tenho direito de considerar-me pioneiro do romance nordestino depois de Iracema, de Luzia-homem e de tantos outros livros desse porte. Também não tenho a pretensão de dizer que A bagaceira iniciou uma escola; foi apenas um exemplo, e se algum mérito teve, foi o de representar a coragem do renascer da Província. Seu principal papel foi assinalar um ressurgimento, e seu êxito ocasional estimulou vocações de romancistas, todos acima do Pioneiro. Pregava um modernismo mais representativo do meio, e exatamente por isso, por surgir como autêntico produto da terra, de uma terra que andava esquecida, pôde exercer alguma influência, despertando a atenção de grandes romancistas, então ainda apenas potenciais, para os dramas das populações que os cercavam”.
Nem mesmo o entusiasmo de Tristão de Atahyde, assegurando que A bagaceira seria o romance que “Euclides da Cunha teria escrito se fosse romancista”, parece ter mexido com a vaidade literária de Zé Américo, pois, nesta mesma entrevista, chega a afirmar que o artigo do ilustre crítico nada mais foi que “uma simples explosão de surpresa”, arrematando seu pensamento com estas palavras: “Vendo repontar alguma coisa, donde nada esperava, saudou, com o prestígio de sua crítica corajosa, essa estranha aparição”.
Quantos escritores de hoje, em geral medíocres e cabotinos, seriam capazes de atitudes como esta?
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TURISMO - 19/12/2024