João Pessoa, 27 de maio de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Rupturas literárias

Comentários: 0
publicado em 27/05/2022 ás 07h00
atualizado em 26/05/2022 ás 17h46

Mensageiro, datilógrafo, acendedor de lampião (foto) operador de mimeógrafo, vendedor de enciclopédias. Embora imprescindíveis há algumas décadas, tais profissões foram extintas. Deram lugar a outras que parecem até oriundas de ficções científicas, como profissionais de big data. Até as carreiras de maior prestígio, como as jurídicas, têm sofrido influência digital. Hoje, é impensável que organizações importantes não atuem com um encarregado dos dados, para garantir o cumprimento das leis que protegem os dados pessoais dos indivíduos.

Num mundo em que é difícil separar a humanidade da máquina, persiste outra dualidade: separar o pessoal do profissional. Nesse sentido, a série Ruptura, fenômeno da Apple TV+,  nos apresenta uma empresa cujos funcionários dinstinguem muito bem cada lado da vida. Ao entrarem no elevador da empresa, as memórias pessoais são isoladas das profissionais. Assim, não sabem com o que trabalham, quando jantam em família; sequer sabem que têm família, quando estão em atividade laboral.

O ambiente de trabalho é tão organizado e minimalista que provoca claustrofobia. Quando um livro extremamente tosco de autoajuda é surrupiado para o ambiente corporativo, muitos dos funcionários passam a tratá-lo como um guia espiritual. É uma clara crítica aos livros rasos de gestão pessoal e profissional, mas desperta também outra questão: quando não temos acesso à diversidade literária, qualquer texto parece uma obra-prima.

A relação da série com a literatura também sai das telas. A aclamação dos episódios fez com que a Apple anunciasse o lançamento de um livro que conta detalhes sórdidos sobre a empresa que divide a mente dos funcionários. É uma ruptura das convenções literárias, já que a obra é assinada por um ex-funcionário (igualmente fictício) da empresa. Se na ficção conseguem separar razão da emoção, na vida real, todas as formas de contar históri se misturam.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB