João Pessoa, 17 de junho de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A TV aberta não fazia mais parte da minha vida há anos. Com a diversidade oferecida pelos catálogos dos streamings e a flexibilidade dos horários, havia abandonado completamente a programação televisiva convencional. Semanas atrás, de tanto ouvir falar sobre Zé Leôncio e a mulher que vira onça, me rendi: pelo streaming da Globoplay, assisti a um momento da novela Pantanal. E nunca mais perdi um capítulo.
Além dos dramas humanos, a novela expõe belas paisagens do Mato Grosso do Sul, com imensos ninhais de garças e longas viagens de rio. Nem as queimadas que devastaram o pantanal em 2021 contiveram os registros exuberantes da novela. Mesmo assim, minha visão preferida do pantanal pertence a outra perspectiva, a do poeta Manoel de Barros.
Advogado por formação, mas não muito afeito à lei, Manoel de Barros se dedicou com mais paixão à fazenda e à poesia. Rejeitava a alcunha de “poeta pantaneiro”, porque não queria que a paisagem do pantanal soasse maior do que a literatura, embora seus versos apresentassem uma relação tão conflituosa quanto indissociável entre palavra e imagem. Em O livro das ignorãças, escreve que o nome empobreceu a imagem, mas Manoel nunca se desfez das palavras. Passou a vida em constante jogo de verbos e cores, mesmo que não fosse uma escolha tão prudente, conforme os versos: “A mãe falou: Agora você vai ter que assumir suas irresponsabilidades. / Eu assumi: entrei no mundo das imagens.”
Barros desejava registrar com palavras as imagens que o arrematavam. Era um poeta com aspirações fotográficas. Queria fotografar o impossível: o perfume, o silêncio, o vento. Tentava reproduzir e mensurar o que sentia. Em um de seus poemas, cria um instrumento para aferir os encantamentos das grandes coisas e das coisas do chão. Se medisse o descaso com os biomas brasileiros hoje, daria desencanto. Se medisse os olhares voltados para o pantanal, daria nota vinte.
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OPINIÃO - 22/11/2024