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De todos os absurdos que a peça O Bem Amado apresenta, o personagem Odorico Paraguaçu é o mais interessante. Seja no texto original escrito por Dias Gomes, seja nas famosas adaptações televisivas, Odorico se mostra brasileiríssimo. Prefeito da cidade de Sucupira, elegeu-se sob a promessa de construir o cemitério da cidade. Até ergueu o espaço e providenciou o coveiro, mas os defuntos deram uma trégua. Nem a natureza ajudou, já que geralmente morria algum desavisado afogado, mas no ano da construção do cemitério, o mar ficou raso.
Os discursos de Odorico contavam com uma retórica vazia. Ofendia os críticos ao seu mandato, chamando-os de cachacistas juramentados, adotava expressões sem muito nexo, como “alma lavada e enxugada”, e adorava redundâncias. Suas citações pomposas, que iam de Platão a Rui Barbosa, quase nunca eram verídicas. Se fosse vivo hoje, Odorico poderia publicar imagens com frases motivacionais no Instagram, atribuindo-as a personalidades que jamais profeririam tais incentivos.
No mundo real, houve prefeito que se comunicasse melhor do que Odorico Paraguaçu. Graciliano Ramos, cujo legado literário é indiscutível, também se aventurou na política, quando foi prefeito de Palmeira dos Índios, em Alagoas. Sua rigidez era tanta que fazia visitas às instituições públicas sem carro oficial, de surpresa, para flagrar irregularidades. Chegou até a multar o próprio pai, quando descumpriu a ordem de não deixar animais soltos nas ruas. Dizem que ao ser questionado pelo pai, indignado em razão da multa, Graciliano respondeu: “prefeito não tem pai”. Nos sobram Odoricos, nos faltam Gracilianos.
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OPINIÃO - 22/11/2024