João Pessoa, 29 de junho de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Dizem que o sertão
se alarga por dentro,
que sua alma é deserta
e coisa nenhuma brota
de suas furnas cinzentas.
Dizem que o sertão
é só ruínas, a fome
que devassa o interior
das criaturas,
a morte seca e pronta,
de tocaia,
como um sol negro
que só dor cintila.
Dizem que o sertão
se opõe ao milagre
de qualquer geografia,
que lá a flora é parca,
a fauna assusta,
e o homem é bicho triste,
fera de sete vidas.
Dizem que o sertão
não tem poesia,
e que seus versos
vivem pelo avesso,
que suas imagens
se calcificam no dorso
das pedras,
e que nada medra
de sua magra melodia.
Eu já penso diferente,
porque no meu sertão,
se a água é pouca,
a vida é muita,
e a voz do vento
afaga o silêncio das horas,
nutre de calor
o que parece morto.
Há, no meu sertão,
escassez e luto,
como naquele
que cantam por aí.
Mas vejo beleza
nesta falta
e saúde
nas covas sombrias.
A alquimia
das coisas claras;
a geometria
do passaredo dentro
do sol;
o lençol das nuvens
no céu aberto;
a verdade
natural dos elementos.
Que meu sertão
é mais que tempo
e paisagem.
É gesta antiga,
psicologia profunda,
didática poética,
delicado mito
tecido na memória
e na palavra.
(Do livro inédito, Cemitério Vivo}
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OPINIÃO - 22/11/2024